Psicologia et Al: A mãe universitária

Psicologia et Al: A mãe universitária

A representação sociocultural em redor da maternidade é muitas vezes injusta com as mães em geral. As dificuldades que as mães têm são quase sempre invisibilizadas em função do pensamento das mulheres como possuidoras de uma “essência feminina”, que as orienta, naturalmente, para as necessidades de seus filhos (URPIA, 2009, as cited in Gomes, 2020). Se ser mãe já tem muitos estereótipos e dificuldades minimizadas, como será ser mãe universitária?

As responsabilidades de ser mãe e universitária, em conjunto, acarretam várias consequências. A mudança de rotina é de tal maneira brusca que as mães ficam sem tempo para realizar todas as atividades, quer de mãe, quer de pessoa, quer de universitária. É difícil conciliar os horários das aulas e das atividades dos filhos, pagar as contas, e visivelmente existe o estigma de “se és mãe não consegues tirar o curso”. Aliado a isto, a idealização do papel materno, em que as mães são o centro da vida dos filhos, são as culpadas de tudo o que não corra tão bem e têm a pressão de terem que fazer as melhores escolhas para os mesmos. As mães sofrem de julgamentos, olhares e críticas, principalmente quando a gravidez não é planeada (Silveira, 2019). 

Compreender a maternidade/paternidade jovem como elemento de cuidados de saúde proporciona a elaboração de estratégias de ação estruturadas com enfoque nos serviços de saúde, na família dos adultos emergentes, assim como, nas suas comunidades residentes, e ainda, nas entidades de ensino, o que releva desempenhar um papel vital na autonomia da saúde tanto dos jovens como dos seus filhos (Ferreira et al., 2019).

Perante a escassez de políticas de permanência e assistência estudantil relativas à maternidade, muitas mulheres-mães são obrigadas a criar diferentes estratégias para lidar com estas e outras adversidades encontradas no seu percurso universitário. Deste modo, a família desempenha uma função de apoio fundamental no que concerne, especialmente, os cuidados da criança. Contudo, em muitos casos, o auxílio imprescindível dos familiares e amigos não se faz sentir, o que, por conseguinte, dificulta a permanência dos jovens na universidade, sendo este retorno apenas verossímil alguns anos depois, após uma melhor estrutura, seja de cariz financeira ou organizacional, por parte da família (Erquiaga, 2020).

Consideramos importante trazer alguns testemunhos de mães universitárias que estudam na UTAD. Estas vão ao encontro do conhecimento empírico anteriormente abordado.

  1. Sentes-te incluída na vida académica?

Resposta: Sim! Felizmente tive a sorte de ficar numa turma fantástica, onde conheci imensa gente incrível, que me fizeram sentir acolhida de imediato. Tive receio que ao entrar nesta aventura académica com 25 anos, com emprego, sendo mãe, e todas as demais responsabilidades que a vida adulta implica, significasse que a diferença de idades e a diferença das fases de vida em que me encontro e se encontram os meus colegas pudesse ser um entrave na minha adaptação. Mas aconteceu o contrário, tive uma grande facilidade de fazer novos amigos, e todos eles compreendem quando posso ou não estar presente, seja por causa de estar a trabalhar ou por algo relacionado com o meu filho. 

2. O que te fez tomar esta decisão de conciliar a universidade e ser mãe, foi algo interno (personalidade) ou externo (acontecimento/amigos/família)?

Resposta: Já tinha andado numa faculdade dos meus 18 anos até aos 20, quando tomei a decisão de congelar a matrícula. Era um curso diferente, a minha adaptação à vida académica não foi fácil, e essa experiência anterior fez-me pensar duas vezes antes de me voltar a candidatar ao ensino superior. Nesse espaço de tempo trabalhei, fui mãe e voltar a estudar nem sequer me passava pela cabeça. Estive num trabalho durante dois anos, mas infelizmente passei por situações muito más, até que tomei a difícil decisão de me despedir, sem saber bem o rumo que a minha vida ia ser daí em diante. Afinal de contas, tinha um filho e uma casa e tudo mais que implicam responsabilidades financeiras, e a meio de uma pandemia não havia muitas opções de emprego. Fiz voluntariado numa associação da minha cidade e passado uns meses consegui um trabalho onde tenho liberdade de horários e facilidade de trabalhar a partir de casa, muitas das vezes. Aí veio a questão… se realmente queria estar neste trabalho toda a minha vida e numa insegurança constante que podia voltar à “estaca zero”, mas acima de tudo pensar naquilo que queria transmitir ao meu filho, o tipo de mãe que ele vê, e isso levantou a questão “e se voltasses a estudar?” e foi o que bastou para aquilo ficar na minha cabeça. Com medo e, ao mesmo tempo, com muita coragem candidatei-me aos maiores de 23, fiz os exames, e entrei no curso que sempre quis! Então tudo se tornou bem claro, o que eu quero é que o meu filho saiba que nunca é tarde para tentar, que não existem sonhos impossíveis e que tenha orgulho em ver a mãe lutar por ele, mas também por ela mesma. 

3.  As mães que completaram com sucesso os seus estudos consideram possuir mais características do que as que não o fizeram. Os resultados deste estudo demonstram que, apesar das várias dificuldades, muitas mães estudantes são mais prósperas em ambientes de alta pressão, tornando-se, consequentemente, mais seguras de si mesmas (Braund et al., 2020). Consideras que esta fase da vida fez-te desenvolver capacidades?

Resposta: Ser mãe é um desafio constante. Aprende-se todos os dias, é uma adaptação diária. Nasce um bebé e também nasce uma mãe. Mesmo que se tenha o apoio dos mais próximos é um processo que leva tempo e exige muita dedicação e paciência, não só para a própria mãe pela transformação que é, mas também pelo bebé. Esta fase trouxe-me mais paciência, tolerância e empatia. Até agora aprendi a seguir o meu instinto e perceber as necessidades da minha bebé. A privação do sono não é fácil e acaba com a paciência num piscar de olhos, mas depois passa e uma pessoa habitua-se. 

4. Durante todo este processo, procuraste o acompanhamento de um psicólogo? 

Resposta: Não, não tive essa necessidade, por enquanto. Acho fundamental a mãe ter uma rede de apoio não só na fase pós-parto como em tudo o resto. É cansativo e às vezes traz-nos o sentimento de impotência quando as coisas correm menos bem. Há muitas mulheres que não conseguem aguentar a pressão nem a mudança que a maternidade provoca e aí a ajuda de um profissional é fundamental. Até agora não sinto essa necessidade, talvez por ter bastante apoio e ter uma bebé tranquila, mas nunca se sabe o dia de amanhã.

5. Que ajudas gostavas de ter e que não te estão disponíveis?

Resposta: A nível de ajudas não me posso queixar em relação a nada, o que mudaria se pudesse, que acredito que fosse facilitar muito a vida não só de quem é pai, mas também de trabalhadores-estudantes, e até mesmo estudantes em geral do ensino superior, seria acabar com o regime de faltas. Acaba por ser uma pressão que temos, pois há dias que uma pessoa quase que tem de se redobrar para chegar a todo o lado e fazer uma gestão de tempo incrível, e por vezes temos de deixar coisas pendentes, porque precisamos de estar numa aula só a marcar presença, porque muitas vezes não é uma questão de perder matéria, é mesmo uma questão de ser um “corpo presente”, e isso, por vezes, torna-se frustrante.

6. O que te dá força para seguir em frente? O que te motiva?

Resposta: Apesar de não ter sido uma gravidez planeada, a verdade é que a maternidade definitivamente transforma uma mulher. Não é clichê, é mesmo verdade! É como se ganhássemos o superpoder de enfrentar o mundo para que os nossos filhos tenham o melhor e sejam felizes. Sou mãe, mas não deixei de ser mulher nem ter os meus próprios sonhos e ambições. E é importante, de vez em quando, separar as duas coisas: ser mãe e ser pessoa, ser eu própria. O que me motiva a seguir em frente é ter a possibilidade de continuar a estudar o que gosto para arranjar um emprego e dar uma vida melhor à minha filha para que também ela siga este exemplo e consiga ir à luta dos seus sonhos para ser feliz. 

Por fim, deixamos, ainda, uma pequena reflexão que esta mãe nos deixou sobre como é muito importante ter uma rede de apoio sólida na fase da maternidade. Não é tão cor-de-rosa como a sociedade faz parecer. Desde a gravidez até ao pós-parto vai um longo e duro processo cheio de altos e baixos. A sociedade exige muito de uma mulher. Faz muita pressão sobre o aspeto físico; sobre a amamentação: se dá é porque os seios vão ficar descaídos, se não dá é porque não é uma boa mãe; a pressão para trabalhar novamente; se dá muito colo o bebé fica mimado ou se não dá é uma mãe desnaturada. O facto é que a partir do momento em que se é mãe, procuram todos os defeitos para apontar. A comparação aumenta em grande escala e isso põe em causa a sanidade mental. Ser mãe por si só já não é fácil. Ter que lidar com tudo o resto mais difícil fica e por isso pedir ajuda não é vergonha nenhuma. É um ato de coragem até porque mãe feliz, bebé feliz.

Este é o espaço do Núcleo de Estudantes de Psicologia, que resulta de uma parceria com o teu jornal académico – O Torgador. Se também gostavas de protagonizar o teu espaço no jornal académico sobre temas relevantes para a academia, contacta-nos através de direcao@otorgador.pt.

Este artigo teve como referências bibliográficas:

Braund, A., James, T., Johnston, K., Mullaney, L. (2020). Grit-ability: Which grit characteristics enable success for mothers entering university?. Student Success Journal, 11(1), 22-34. https://doi.org/10.5204/ssj.v11i1.1457.

Erquiaga, A. M. D. C. (2020). Agradecimentos de estudantes mães nos trabalhos de conclusão do curso de pedagogia: Uma análise cultural sobre maternidade. [Tese de mestrado, Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina]. Repositório Aberto da Universidade Federal de Santa Catarina.  https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/228190.

Ferreira, M. D. G. A. M., Lopez-Gómez, J., David, H. M. S. L., Mira, A. N., de Andrade Brunherotti, M. A., & Martinez-Rieira, J. R. (2019). Perspectivas sobre a maternidade e como isso influencia o desenvolvimento da vida dos jovens estudantes universitários. CIAIQ2019, 2, 164-169. https://www.proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2015.

Gomes. L. L. B. (2020). Mulher, mãe e universitária: desafios e possibilidades de conciliar a maternidade à vida acadêmica. [Master’s thesis, Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências da Saúde]*. Repositório Institucional da UFPB. https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/17638 

Silveira, P. (2019). Ser mulher, mãe e universitária: narrativas de estudantes do curso de pedagogia da universidade federal de Santa Catarina (Trabalho de conclusão de curso).