O impacto do Natal na saúde mental

O impacto do Natal na saúde mental

Será que o Natal é realmente um período de felicidade ou uma ilusão construída por expectativas sociais? Para muitos, esta época transcende a simples celebração religiosa, assumindo um papel central na dinâmica emocional e social. É uma data marcada por reencontros, partilhas e tradições que promovem sentimentos de pertença e bem-estar. No entanto, o Natal também pode trazer desafios significativos, especialmente para aqueles que enfrentam a solidão, o luto ou outras dificuldades emocionais

O Natal é uma das épocas do ano mais aguardadas pela população. É uma data que nos convida a viajar de volta à infância, a acolher a saudade daqueles que já não estão connosco e a desfrutar da companhia de quem pouco vemos ao longo do ano. É uma data para “receber presentes, mas, especialmente, para receber abraços” (Lobato, 2023) e, se para as crianças há toda a felicidade e o entusiasmo de receber presentes pelos quais esperaram o ano todo, para es jovens e adultes, além dos presentes, o Natal está em grande parte ligado ao reencontro com familiares e amigues próximes (AdvanceCare, 2022).

Deste modo, para grande parte das pessoas, esta época festiva está relacionada com alegria e bem-estar emocional, resultado de vários fatores comuns a esta época, como o tempo de qualidade em família e/ou com amigues, os dias de férias, o regresso a lugares significativos e a partilha de alimentos e presentes (Ordem dos Psicólogos Portugueses, 2023). Todas estas tradições festivas, desde as orações até ao levantar do copo para fazer um brinde, são baseadas em rituais de Natal (Lobato, 2023).

Há rituais para todos os membros da família e estas tradições trazem consigo benefícios ao nível psicológico, desde a escrita de uma carta ao Pai Natal, que pode ser para as crianças um momento de reflexão e ponderação, bem como uma atividade que promove a tomada de consciência e uma autoavaliação mais profunda do seu comportamento; à escolha de presentes para a família e amigues, que contribui para a construção de relações mais sólidas e conscientes, através da reflexão sobre as características e gostos de cada um. Além disso, a espera para receber os presentes e todos os rituais familiares que envolvem procurar os presentes pela casa, é em si uma ocasião de ensinamento de autocontrolo, de tolerância à espera e de inibição à impulsividade (Vilariça, 2023).

É também importante esta época festiva para refletir sobre a relação que estabelecemos com o consumismo. Embora haja inúmeras maneiras de viver o Natal, este acaba muitas vezes associado ao consumo sem limites. Assim, ao desafiar o consumismo e o desperdício que habitualmente domina a época, criamos a oportunidade de refletir sobre as nossas escolhas e de optar por hábitos que respeitem e promovam as relações de afeto entre as pessoas. Ao questionarmos a tendência consumista desta festividade conseguimos evitar transmitir às crianças a ideia de que a felicidade no Natal só se pode atingir através da aquisição de produtos e serviços, colocando as crianças como prioridade (Vilariça, 2023).

Com efeito, podemos olhar para a prática de consumo consciente como prática alternativa. Com um foco no que é essencial e em evitar desperdícios, o que pode ser conseguido com a ajuda de estratégias simples como fazer uma lista de presentes refletida, optar por presentes criativos e sustentáveis, etc. Para além disso, há ainda a ajuda da internet que, se por um lado é o campo de batalha onde somos bombardeados por mensagens de marketing dirigidas ao consumo, por outro lado, veio possibilitar que a tarefa de compras possa ser feita com calma e sem pressão (Vilariça, 2023). 

Como referido por Vilariça (2023): “as melhores coisas da vida não têm preço, têm muito valor e não estão à venda”. E podemos aproveitar esta época em família para redefinir aquilo que é mais importante, bem como para falar com as crianças acerca do que é essencial (Vilariça, 2023).

Períodos marcados por tradições, como o Natal, favorecem também a interação social, que desempenha um papel crucial na Saúde Mental e emocional (Ordem dos Psicólogos Portugueses, 2023). Esta interação é observada no convívio familiar, nos encontros com amiges e na partilha de experiências, reforçando o sentimento de pertença e apoio mútuo, promovendo uma melhoria do bem-estar psicológico (AdvanceCare, 2022). Durante épocas festivas, os rituais, como trocas de presentes e refeições partilhadas, não são apenas atos simbólicos, mas também oportunidades para consolidar relações interpessoais (Paéz et al., 2011). Estes momentos podem diminuir sentimentos de solidão e isolamento, fomentando uma rede de suporte emocional que se revela essencial para enfrentar desafios emocionais. Estudos como o de Paéz et al. (2011), apontam que a participação ativa em tradições sociais e familiares está associada a uma maior satisfação com a vida e a um impacto positivo no ambiente emocional das famílias. Contudo, a ausência ou fragilidade desses laços sociais pode amplificar sentimentos de exclusão ou isolamento, especialmente em indivíduos que já enfrentam dificuldades emocionais. A falta de interação social, como não participar no envio de cartões ou atividades coletivas, pode ser interpretada como um sinal de desmotivação ou necessidade de ajuda (Gallagher et al., 2022). Para além disso, a exclusão cultural para os que não partilham desta tradição, pode provocar desconforto e diminuir a sensação de inclusão em contextos multiculturais, conforme ilustrado no estudo de Schmitt et al. (2010). Assim, cultivar e fortalecer os laços sociais não é apenas um elemento de tradição cultural, mas uma estratégia fundamental para a manutenção da Saúde Mental, particularmente em períodos de maior vulnerabilidade emocional. 

Do ponto de vista psicopatológico, investigações como as de Hillard (1981), Sansone e Sansone (2011) e Schneider et al. (2023), mostram que, durante o Natal, há uma diminuição temporária nos casos de emergências psiquiátricas e taxas de suicídio. Este efeito, no entanto, parece temporário, uma vez que após o Natal observa-se um aumento destes. Esta redução temporária nos casos de psicopatologia, seguida por um retorno significativo em janeiro, sugere que o ambiente festivo do Natal proporciona uma proteção emocional passageira, interrompida pelo retorno às rotinas e pela ausência do apoio social intensificado na época festiva.

Podemos perceber que o impacto do Natal na Saúde Mental é multifacetado, oscilando entre a promoção de bem-estar e os desafios psicológicos que podem emergir durante este período. Enquanto as tradições natalinas fortalecem laços sociais e proporcionam um alívio emocional temporário, é essencial reconhecer e abordar as dificuldades que alguns indivíduos enfrentam, como a solidão ou o stress associado às expectativas culturais. Assim, compreender estas dinâmicas permite-nos valorizar a importância do apoio social e da empatia, não apenas durante o Natal, mas ao longo de todo o ano. Este conhecimento contribui para uma vivência mais equilibrada e inclusiva nesta época tão especial.

Referências Bibliográficas

AdvanceCare. (2022). Natal e saúde mental. https://www.advancecare.pt/para-si/blog/artigos/natal-e-saude-mental

Gallagher, S., Howard, S., McMahon, J., & Palmieri, C. (2022). Christmas cards: are senders full of joy and good cheer? Cogent Psychology, 10(1). https://doi.org/10.1080/23311908.2022.2151727

Hillard, J. R. (1981). Christmas and psychopathology. Archives of General Psychiatry, 38(12), 1377. https://doi.org/10.1001/archpsyc.1981.01780370079011

Lobato, R. (2023). Benefícios psicológicos das tradições natalinas. A mente é maravilhosa. https://amenteemaravilhosa.com.br/beneficios-psicologicos-tradicoes-natalinas/

Ordem dos Psicólogos Portugueses. (2023). Natal e saúde psicológica. https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/opp_natalesaudepsicologica.pdf

Páez, D., Bilbao, M. Á., Bobowik, M., Campos, M., & Basabe, N. (2011). Merry Christmas and Happy New Year! The impact of Christmas rituals on subjective well-being and family’s emotional climate. International Journal of Social Psychology Revista De Psicología Social, 26(3), 373–386. https://doi.org/10.1174/021347411797361347

Sansone, R. A., & Sansone, L. A. (2011). The christmas effect on psychopathology. Innovations in clinical neuroscience, 8(12), 10–13.

Schmitt, M. T., Davies, K., Hung, M., & Wright, S. C. (2010). Identity moderates the effects of Christmas displays on mood, self-esteem, and inclusion. Journal of Experimental Social Psychology, 46(6), 1017–1022. https://doi.org/10.1016/j.jesp.2010.05.026

Schneider, E., Liwinski, T., Imfeld, L., Lang, U. E., & Brühl, A. B. (2023). Who is afraid of Christmas? The effect of Christmas and Easter holidays on psychiatric hospitalizations and emergencies—Systematic review and single center experience from 2012 to 2021. Frontiers in Psychiatry, 13. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2022.1049935

Vilariça, P. (2023). Natal é muito mais do que presentes. Hospital da Luz

https://www.hospitaldaluz.pt/carreira/pt/saude-e-bem-estar/natal-muito-mais-que-presentes

Autor: NUPSI

Imagem: Érica Oliveira