Ansiedade: a doença da década

Ansiedade: a doença da década

Todes já nos sentimos ansioses em algum momento da nossa vida. Seja para um teste ou para ir a um encontro com a pessoa que nós gostamos, esse sentimento acompanha-nos para todo o lado. De facto, às vezes até é bom sentir aquele friozinho na barriga e o nosso coração a bater mais rápido. Mas, e quando não nos queremos sentir desta forma? E quando nos sentimos desconfortáveis com isso e não conseguimos fazer esses sintomas irem embora? Vamos então falar sobre a Ansiedade.

A ansiedade é um mecanismo intrínseco de defesa do cérebro com origem na herança genética evolutiva, que desempenha um papel crucial na sobrevivência humana (Pinto, 2021). Ao longo da evolução, esse estado de alerta ansioso proporcionou aos organismos uma vantagem adaptativa, permitindo reações preventivas diante de situações adversas ou desconhecidas (Pinto, 2021). Apesar da importância da ansiedade, esta passa a ser disfuncional quando a sua intensidade e duração ultrapassam os limites contextuais, não correspondendo à real ameaça representada pelo ambiente (Pinto, 2021). 

A linha que separa a ansiedade “normal” da patológica encontra-se na intensidade, duração e relação com o estímulo (Bernardelli et al., 2022). Isto acontece quando a sua persistência passa a interferir significativamente no quotidiano, causando transtornos físicos e emocionais (Bernardelli et al., 2022). Quando o indivíduo perde a capacidade de controlar a ansiedade, esta deixa de ser um mecanismo adaptativo para se tornar debilitante e prejudicial ao seu bem-estar (Bernardelli et al., 2022). A adolescência, caracterizada por mudanças físicas e psicológicas, torna-se um período propício ao desenvolvimento da ansiedade, e quando as respostas ansiosas se tornam persistentes, intensas e desproporcionais, causando prejuízos sociais e ocupacionais, pode diagnosticar-se uma patologia (Sousa & Silva, 2023).

Apesar da ansiedade poder atingir qualquer pessoa, a sintomatologia a esta associada tem maior probabilidade de surgir pela primeira vez no início da vida adulta, aquando da entrada na universidade (Figueiredo et al., 2014). Durante o percurso académico, 15% a 25% des estudantes do ensino superior revelam algum transtorno, sendo que a ansiedade é o mais comum (Carvalho et al., 2015; Cavestro & Rocha, 2006).  

Os motivos pelos quais existe esta prevalência nes estudantes são vários (Jardim et al., 2020). Primeiro, a entrada na universidade acaba por ser um momento de grandes transformações, onde o indivíduo necessita de se adaptar a uma diferente forma de ensino e onde ocorre a formação de novas vinculações e relações interpessoais (Jardim et al., 2020). Sair do ambiente académico para ingressar no mercado de trabalho também pode gerar sintomas de ansiedade, visto que o indivíduo tem que lidar com incertezas e dificuldades, uma vez que tem que se mostrar capaz para enfrentar a concorrência (Jardim et al., 2020). Por fim, o contentamento (ou falta deste) com a opção académica também revela-se um fator de importância para estes jovens (Jardim et al., 2020). Sendo assim, é notório que ê estudante, quando não está satisfeite com o curso onde está inseride, pode sofrer um impacto não só na sua saúde mental, como também nas relações que estabelece (Ramos et al., 2015).

Os estudos apontam para a existência de uma maior prevalência de ansiedade em indivíduos do sexo feminino, devido à acumulação de papéis na sociedade que, regra geral, são destinados às mulheres (Jardim et al., 2020). Por exemplo, normalmente cabe às mulheres o dever de conciliar as atividades laborais com o trabalho doméstico (Jardim et al., 2020). Esta conciliação acaba por ser uma sobrecarga onde, em alguns casos, a mulher acaba por não ter tempo para atividades de lazer (Jardim et al., 2020). Outro fator a ter em conta é que as mulheres tendem a ter mais exposição a eventos negativos, como é o caso da discriminação de género, bem como o abuso físico e sexual (Keita, 2007). Por outro lado, as mulheres mostram-se ser mais sensíveis e abertas a falar destes sentimentos, ao contrário dos homens, que se mostram mais receosos a esta exposição e a procurar serviços de ajuda (Fioravanti et al., 2006; Molina et al., 2014; Monteiro et al., 2008; Santos et al., 2003).

Mas então, se é algo psicológico, a ansiedade não dói, certo? Errado. A verdade é que a ansiedade pode despoletar sintomas físicos (Penha, 2022). 

Durante um estado ansioso, ocorre a libertação de duas hormonas responsáveis pelo stress agudo: a adrenalina e o cortisol (Penha, 2022). Estes preparam-nos para os perigos que são percebidos pelo cérebro e essa é a grande característica de uma pessoa ansiosa: estar sempre a antecipar situações de risco (Penha, 2022). O nosso corpo e mente estão diretamente ligados pelo que, quando muito afetados por níveis de ansiedade, facilmente adoecemos (Penha, 2022). Por outro lado, existem alterações cognitivas, tais como esquecimento, falta de atenção e concentração (Penha, 2022). 

O cérebro de alguém que está ansioso começa por angustiar-se muito antes do evento stressante (Penha, 2022). A ansiedade começa na possibilidade de algo não acontecer da forma prevista ou algo mau acontecer, desencadeando uma descarga de pensamentos e sensações premonitórias (Penha, 2022). Normalmente, as pessoas “sofrem por antecipação”, ou seja, com problemas que ainda não existem e muitas vezes não chegam a acontecer (Penha, 2022). Da mesma forma, catastrofizam e projetam negativamente as suas expectativas do futuro (Penha, 2022). 

Segundo Penha (2022), existem vários sintomas percebidos fisicamente quando alguém se encontra num estado ansioso, entre eles: taquicardia, onde a pessoa pode vir a experienciar dores no peito, como uma sensação de aperto; pressão arterial elevada; alteração respiratória, onde esta se torna curta e rápida; formigueiro nas extremidades do corpo; sudorese (transpiração excessiva); tremores; tonturas; alterações no sono; alteração do apetite e de peso; problemas a nível sexual; dores musculares, distúrbios gastrointestinais; alterações na fala e no comportamento.

Mas será que todes experienciamos a ansiedade da mesma forma? A resposta é um grande “Não”. Se a pessoa presenciar a ansiedade como sendo algo habitual e consistente, esta designa-se por “ansiedade traço” (Baptista et al., 2005). Por outro lado, se for uma reação episódica ou situacional, denomina-se “ansiedade estado” (Baptista et al., 2005). É nesta última que se encontram a maioria dos tipos de ansiedade. Curiose para saber quais são? Então vamos lá!

O tipo de ansiedade mais comum denomina-se como Perturbação de Ansiedade Generalizada e, de acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde, a prevalência deste atinge entre 3 a 6% da população mundial (Carvalho et al., 2022). Este transtorno caracteriza-se pela sua ansiedade excessiva e preocupação exagerada com os eventos da vida quotidiana, sem motivos óbvios aparentes (Carvalho et al., 2022). 

Sabias que a perturbação de Pânico tem como características principais as intensas e repentinas crises de ansiedade, acompanhadas por uma sensação forte de medo e mal-estar e manifestação de sintomas físicos (Carvalho et al., 2022). As chamadas “crises de pânico” levam, então, a um grande sofrimento psíquico com mudanças de comportamento, originadas pelo medo de ocorrerem novos ataques (Carvalho et al., 2022). Estas crises têm uma duração média de 15 a 30 minutos e podem ocorrer em qualquer momento, lugar ou contexto (Carvalho et al., 2022). A perturbação de Pânico pode ter como origem crises financeiras, discussões, separações ou mortes no meio familiar e experiências traumáticas durante a infância (Carvalho et al., 2022). Este tipo de transtorno também é comum depois de assaltos ou sequestros (Carvalho et al., 2022). 

Outros tipos de ansiedade são:, fobia social, agorafobia, stress pós-traumático, perturbação obsessivo-compulsiva, entre outras.

Todes sabemos que lidar diariamente com a ansiedade é um grande desafio. Assim sendo, deixamos-te algumas estratégias de como enfrentar esta adversidade (CUF, 2021): identifica o que te deixa ansiose; cultiva uma atitude positiva; aceita que não é possível controlar tudo; foca a tua atenção em atividades de relaxamento; treina exercícios de respiração; faz do exercício físico um hábito; mantém uma alimentação nutritiva; dorme bem; limita a ingestão de álcool e cafeína; partilha sentimentos e preocupações.

É certo que o simples ato de conversar com familiares e amigues sobre o que te preocupa, é uma forma muito útil para te sentires melhor. No entanto, não deixes de procurar um especialista em saúde mental, para que este te oriente e facilite o processo. A partir do momento em que as estratégias que habitualmente utilizas para lidar com a ansiedade não estiverem a funcionar, e essa ansiedade interferir com o teu bem-estar, é tempo de pedir ajuda! 

Lembra-te sempre: a ansiedade não define quem tu és! 

Referências bibliográficas

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Imagem: Inês Moura