Eu volto

Eu volto

Lembras-te do dia em que me falaste do corpo humano? Aquelas divagações de anatomia, sem interesse, mas com curiosidade? Eu não percebi nada, mas só gostava de te ouvir. 

Aprendi que o corpo não é perfeição, mas também não é imperfeição. Nós somos um só, com ou sem corpo. Um corpo que lê e que vive intensamente com imprecisão e defeitos. Todas essas incorreções fazem-me pensar que não te amo só por amar. Amo-te como se amam certas coisas obscuras. És tu que me dominas, são as tuas forças que geram a minha vida e são elas a poesia que o corpo escreve. É uma energia contagiante que envolve o nosso ser. Tu és duas figuras inseparáveis que se transformam numa química de paixão, dando movimento ao meu pensamento. E não vai ser o que nos é enigmático que nos vai separar!

E hoje corri para os teus braços, pendurei-me no teu pescoço. Foste o meu baloiço.

– Mentira, ri-te porque é mentira. 

Não voltaste, mas sonhei contigo e corri mesmo. Fiz uma emboscada e surpreendi-te já nem sei onde. E foi aqui que descobri que tinha outro segredo. A partir deste momento, apercebi-me de que tinha talento para escrever. Sentia essa facilidade com que as palavras e os pensamentos corriam na minha mente, enquanto sorria para o teu capacete de vidro e sobrevoamos no espaço.

E na tua órbita voltei a ouvir – “Já vou”.

Sento-me nesta sala e relembro todos os momentos vividos, aqueles em que nos tocamos e sentimos as nossas profundezas. Lembro-me de há muitos anos, mandares a mensagem tão desejada – “já vou ter contigo”. Mais tarde, recordo de ter ouvido o portão a bater, os passos leves e ruidosos a subir as madeiras velhas e cardidas das escadas. Ainda consigo ouvir a fechadura da porta a rodar e dizeres bem alto “cheguei”. Naquele instante, a minha alegria soltava-se nos teus braços. Reconfortavas-me tanto… O teu carinho e graciosidade davam-me saudades.

Foi tão bom escutar a tua respiração ofegante de paixão. Era tudo tão perfeito. Tão perfeito de saber que ao teu lado eu podia ouvir o teu coração a bater. Sentando-me nesta sala, relembro todos os anos de amizade, gargalhas, de paixão, de ouvir as críticas, todos os desabafos, de escutar o teu choro nos meus ombros a dizer – “Eu volto!”

Mas não voltaste.

Beatriz Parada