A Organização Meteorológica Mundial (OMM) confirmou o regresso do fenómeno El Niño, em julho de 2023. Segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), é praticamente certo que este se prolongue até fevereiro de 2024, com efeitos mais intensos e notórios.
Mas, afinal, o que é o El Niño? O Green Dream conversou com João Carlos Andrade Santos, Professor Catedrático do Departamento de Física da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. A Reuters elaborou um ranking com os mil cientistas climáticos “mais proeminentes do mundo”, onde constam apenas seis portugueses. João Santos é um deles.
Green Dream (GD): O que é o El Niño e como se forma?
João Santos (JS): O termo significa ‘Menino Jesus’, em castelhano, porque é comum ocorrer uma alta mortalidade de peixes, ao longo das costas do Peru. Durante o El Niño, ocorrem alterações profundas nos padrões de circulação oceânica ao longo da costa oeste da América do Sul, Ilhas Galápagos e Ilha de Páscoa. Isso resulta na supressão do afloramento costeiro de águas profundas e num acentuado aumento da temperatura da água do mar. Esse aquecimento leva à escassez de plâncton e, consequentemente, à mortalidade de peixes devido à falta de alimento. No entanto, o El Niño é apenas uma das facetas de um mecanismo mais abrangente chamado ENSO (El Niño Southern Oscillation). O ENSO é uma oscilação em toda a bacia do Oceano Pacífico e massas continentais adjacentes, que varia entre as fases positiva (El Niño) e negativa (La Niña), com períodos neutros que podem persistir por vários anos. Durante a fase La Niña, ocorre o processo inverso ao do El Niño, com intenso afloramento costeiro e águas mais frias do que a média climatológica. Além dos efeitos no oceano, a circulação atmosférica também é significativamente alterada. Essas alterações têm reflexos nas condições meteorológicas em grande parte do planeta, mas mais acentuadamente nas regiões adjacentes ao Oceano Pacífico. As oscilações do ENSO não têm períodos bem definidos (podem variar de 2 a 7 anos ou mais), tornando a sua previsão muito difícil e requerendo monitoramento regular.
Sabemos que na gênese dos episódios de ENSO, a interação entre o oceano e a atmosfera é essencial, envolvendo processos muito complexos ainda em estudo pelos climatologistas.
GD: Como é que o El Niño afeta o clima em geral? E em Portugal?
JS: O ENSO é uma parte intrínseca do clima da Terra e existiria mesmo sem a presença humana. No entanto, diversos estudos demonstraram que as atividades humanas e as consequentes alterações climáticas têm o potencial de agravar os extremos associados ao ENSO, e os impactos correspondentes em várias regiões do mundo. Isso torna mais prováveis os eventos extremos, que já se tornaram mais frequentes e intensos devido às alterações climáticas em curso.
No caso específico de Portugal, não existem resultados suficientemente robustos para determinar os impactos do ENSO nas condições meteorológicas. A distinção entre os vários fatores que influenciam o clima em Portugal, além do ENSO, é extremamente complexa. O clima em Portugal é muito mais influenciado por outros mecanismos, como a Oscilação do Atlântico Norte, ou mesmo processos de interação entre a troposfera e a estratosfera, que afetam a posição e a intensidade da corrente de jato de oeste sobre o Atlântico Norte. Portanto, não podemos atribuir facilmente condições meteorológicas específicas em Portugal exclusivamente ao ENSO, o que seria cientificamente incorreto. São necessárias mais pesquisas nesse assunto.
GD: Quais são os impactos do El Niño nas condições climáticas regionais em diferentes partes do mundo?
JS: Os estudos científicos têm vindo a demonstrar que o EL Niño (fase positiva ou “quente” do ENSO) potencia secas e/ou ondas de calor na Ásia meridional e oriental e na Austrália, bem como na África austral, América do Norte e Brasil. As condições inversas (cheias e/ou períodos anomalamente frios) tendem a ocorrer durante os episódios de La Niña. Não são conhecidos impactos significativos na Europa.