Psicologia et Al: Surpresa, ninguém é produtive 24/7

Psicologia et Al: Surpresa, ninguém é produtive 24/7

Há toneladas de artigos que abordam a temática da produtividade e em como “ser uma
pessoa (mais) produtiva”, em que são referidas inúmeras formas de como fazer o máximo de
coisas no menor espaço de tempo possível, ou como conseguir almejar todos os “check” nas
famosas listas de tarefas, onde são muitas vezes proclamadas receitas infalíveis, cujo
principal mote é “work smarter not harder” (Tartakovsky, 2015). Até mesmo no nosso
dia-a-dia muitos de nós já tivemos a experiência de almoçar nas próprias secretárias enquanto
acabávamos um determinado trabalho, uma vez que ainda havia uma data de tarefas para
concluir depois de terminar o trabalho em questão; ou então, ao invés disso, levaram trabalho
para casa, ora para colocar papelada em dia, ora para responder e e-mails, muito depois das
luzes no escritório se apagarem (Weir, 2019). Contudo, este ritmo incessante, nomeadamente
sem as pausas supostas, pode fazer mais mal que bem, afirmam ês psicólogues (Weir, 2019),
sendo uma das principais consequências o burnout. Este é um dos riscos psicossociais que
afeta mais de 40 milhões de trabalhadorus em toda a União Europeia, segundo a Fundação
Europeia para a Melhoria das Condições de Trabalho, sendo responsável, de igual modo, por
cerca de 50 a 60% de absentismo laboral nas empresas desta região (Ordem dos Psicólogos
Portugueses, s.d.).


Mas afinal, o que é o burnout?


O burnout é um tipo específico de stress provocado pelo trabalho, que se caracteriza
pela exaustão emocional e pelo declínio de envolvimento pessoal no trabalho (Ordem dos
Psicólogos Portugueses, s.d.). Fatores como a carga de trabalho superior à capacidade de
profissional, a falta de autonomia e controlo sobre as tarefas e a organização do trabalho, o
baixo propósito ou significado das tarefas realizadas, a realização de tarefas perigosas ou de
grande exigência emocional e horários de trabalho contínuos e excessivos propiciam este tipo
de stress (Ordem dos Psicólogos Portugueses, s.d.). Tendo isto em conta, uma situação de
burnout não acontece de um dia para o outro, anteriormente a isso decorre a manifestação de
um conjunto de sintomas, sendo eles (Ordem dos Psicólogos Portugueses, s.d.):

  1. Exaustão emocional – um desgaste na empatia e compaixão pelês colegas;
  2. Menor realização profissional – é difícil fazer uma avaliação positiva da própria
    prestação pelo que os aspetos negativos são os que aparentemente estão mais visíveis;
  3. Menor motivação;
  4. Sintomas físicos – fadiga, dores musculares, cefaleia, alteração do sono, entre outros;
  5. Menor bem-estar e menor satisfação com a vida em geral – tudo parece ter um peso maior do que aquilo que deveria ter e torna-se uma tarefa difícil fazer coisas consideradas básicas do quotidiano;
  6. Deterioração das relações sociais e familiares

As situações de burnout podem tentar ser evitadas através de alguns mecanismos de coping como, por exemplo (Ordem dos Psicólogos Portugueses, s.d.):

● Rentabilizar micro-momentos para se conectar – aproveitar momentos de higiene para respirar e tentar reconectar com o self, concentrar na respiração, no corpo (“mindfulness”);

● Dar nome ao que se sente – nomear e ganhar consciência do que se está a sentir – é raiva preocupação? medo? – isto contribui para uma maior capacidade de lidar e gerir estas emoções;

● Três coisas boas – pensar em três coisas boas que aconteceram durante o dia;

● Pedir ajuda – se a ansiedade for constante, se o foco na vida laboral atrapalha de algum modo a vida pessoal é importante pedir ajuda a une psicóloguê.

Quando não somos produtivos

Muitas vezes, a par do nosso desejo de produtividade 24/7, prospera o sentimento de culpa. Sentimo-nos culpades por não preenchermos cada minuto do nosso dia com algo “produtivo”, como adiantar algum trabalho da universidade, lavar a loiça, ler um livro educativo, ou até mesmo, fazer um recado (Tartakovsky, 2015).

Uma das razões pela qual nos sentimos assim deve-se ao facto de “associarmos o nosso comportamento, o nosso desempenho e, ainda, a nossa produtividade à nossa auto-valorização” (Tartakovsky, 2015).

Deste modo, quando estamos a ser “menos produtives”, sentimos que estamos a fazer algo de errado, e consequentemente, começamos a ver o relaxamento como algo mau, sem valor e, inclusive, associamo-lo a pessoas preguiçosas (Tartakovsky, 2015). No entanto, é impossível conseguir ser produtive a toda a hora! É necessário fazer escolhas e priorizar aquilo que faz mais sentido para ti e para o teu percurso. Define alguns objetivos para te focares e respeita o teu ritmo à medida que os tentas alcançar (Teixeira, 2022). Na verdade, atividade constante não é sinónimo de produtividade e, aliás, pode-nos fazer sentir mais sobrecarregades e menos capacitades para atingir os nossos objetivos (Collard, 2020).

Desligar do trabalho durante as horas laborais


A investigação continua a fornecer-nos uma compreensão mais profunda relativamente às pausas, demonstrando que o “desligar” frequente das tarefas que o trabalho/ estudos exigem – tanto nas horas de intervalo como nos dias de folga/descanso – pode ajudar a restabelecer, em primeira instância, a energia e, a longo prazo, pode auxiliar na prevenção de um esgotamento (Weir, 2019). A corroborar esta investigação surge outra, levada a cabo por Sonnentag (2012), onde foi demonstrado que as pessoas que experimentam um maior distanciamento psicológico do trabalho durante as horas de folga referem uma maior satisfação para com a vida, experimentando, ainda, uma menor tensão psicológica quando comparadas aquelus que não se conseguem “desligar”/afastar do trabalho durante as horas não laborais.


Apesar de nem sempre ser possível “desligar” do trabalho, deve-se pelo menos fazer as pausas devidas. Com isto em mente, há que entender que não existe uma “pausa ideal”, pois esta depende da pessoa em questão, do tipo de trabalho que esta desempenha e, ainda, da situação envolvente (Weir, 2019). No entanto, podem existir sim, um conjunto de regras úteis que otimizem o tempo afastado das preocupações laborais e tudo o que estas envolvem (Rees et al., 2017). Assim, os autores mencionados recomendam que as atividades escolhidas para este feito não sejam idênticas a questões laborativas, por exemplo, para pessoas que trabalhem com recurso a esforço mental, nomeadamente estudantes, pausas que envolvam exercício físico e atividades ao ar livre são boas apostas, visto o seu maior benefício ser o do alívio de stress. As técnicas de relaxamento também são boas escolhas no que concerne ao auxílio no distanciamento das exigências do trabalho, uma vez que, esse afastamento prevê uma redução de tensão, stress e fadiga, promovendo uma maior concentração em tarefas futuras (Sianoja et al., 2018).


Há uma data de estratégias que podem ser adotadas para aliviar a pressão de produtividade constante. Primeiro, é importante compreender a razão que motiva essa urgência de produtividade. A necessidade de se ser super produtive, associa-se muitas vezes ao perfecionismo, mas, em contrapartida, produtividade não significa ter um desempenho perfeito em todas as atividades. Relaciona-se antes com esforços saudáveis para alcançar objetivos que definimos para nós mesmes. Assim, quando existir uma sensação de que temos de ser produtives a todo o custo é importante questionarmo-nos o porquê, o que estamos a tentar provar e a quem, para perceber realmente o que está a motivar o nosso comportamento
(Collard 2020). Em segundo lugar, é essencial medir a frequência com que nos comparamos às outras pessoas. Tendemos a sentirmo-nos culpades por não conseguirmos atingir os padrões que os outros seguem, no entanto, é necessário ter em conta os diferentes objetivos e ritmos de cada um. É, por isso, essencial definir objetivos, mantendo sempre em mente que produtividade não é fazer algo a cada minuto do dia, mas sim concentrar-nos nas nossas prioridades, uma de cada vez, da maneira que melhor conseguirmos, sempre com as pausas devidas entre atividades (Collard 2020; Teixeira, 2022).


Hunter e Wu (2016) salientam que independentemente do tipo de pausa escolhida, o mais importante é transformá-las em prioridade, pois muitas vezes as pessoas sabem que as pausas são necessárias, mas nem sempre as realizam. É, portanto, fundamental definir objetivos, planear e ser produtive, tendo sempre em mente que produtividade não é tudo. Lembra-te: ficar em casa e atender a necessidades básicas, é por vezes o mais produtive que podes ser!

Nota: Neste artigo os autores optaram pela utilização de uma linguagem neutra, sobretudo em pronomes.

Este é o espaço do Núcleo de Estudantes de Psicologia, que resulta de uma parceria com o teu jornal académico – O Torgador. Se também gostavas de protagonizar o teu espaço no jornal académico sobre temas relevantes para a academia, contacta-nos através de direcao@otorgador.pt.

Este artigo teve como referências bibliográficas:

Collard, G. (2020, novembro, 16). How to overcome the pressure to be productive. The Coach Space. https://thecoachspace.com/blog/how-to-overcome-the-pressure-to-be-productive/


Ordem dos Psicólogos Portugueses (s.d.). Burnout – o que é. Mais Produtividade. Retrieved Agosto 21, 2022, from https://maisprodutividade.org/burnout/.


Hunter, E. M., & Wu, C. (2016). Give me a better break: Choosing workday break activities to maximize resource recovery. Journal of Applied Psychology, 101(2), 302–311. https://doi.org/10.1037/apl0000045.

Rees, A., Wiggins, M. W., Helton, W. S., Loveday, T., & O’Hare, D. (2017). The impact of breaks on sustained attention in a simulated, semi‐automated train control task. Applied Cognitive Psychology, 31(3), 351-359. https://doi.org/10.1002/acp.3334.

Sianoja, M., Syrek, C. J., de Bloom, J., Korpela, K., & Kinnunen, U. (2018). Enhancing daily well-being at work through lunchtime park walks and relaxation exercises: Recovery experiences as mediators. Journal of Occupational Health Psychology, 23(3), 428–442. https://doi.org/10.1037/ocp0000083.


Sonnentag, S. (2012). Psychological detachment from work during leisure time: The benefits of mentally disengaging from work. Current Directions in Psychological Science, 21(2), 114–118. https://doi.org/10.1177/0963721411434979.

Tartakovsky, M. (2015, Julho, 12). Reducing Your Guilt About Not Being Productive. https://psychcentral.com/blog/reducing-your-guilt-about-not-being-productive#1.

Teixeira, B. (2022, março, 15). O dilema da produtividade. Inspiring Future. https://inspiring.future.pt/articles/o-dilema-da-produtividade

Weir, K. (2019). Give me a break. Monitor on Psychology, 50(1). https://www.apa.org/monitor/2019/01/break.