Porque nunca estamos satisfeitos?

Porque nunca estamos satisfeitos?

Segundo Nir & Far (2023), o tempo em que vivemos caracteriza-se por ser o mais liberal, civilizado, salutífero e seguro. Contudo, sentimo-nos frequentemente ansioses, preocupades e insatisfeites. Tendo em conta este aparente paradoxo, porque será que estas sensações emergem em nós? Segundo, Eyal (2022) a explicação, enquadrada numa perspetiva evolucionária, reside na necessidade de erradicar a satisfação permanente, de modo que a espécie não fique em desvantagem. Baumeister e colaboradores (2001) reforçam este ponto de vista, ao afirmarem o seguinte: “Se a satisfação e o prazer fossem permanentes, poderia haver pouco incentivo para continuar a procurar poucos benefícios ou avanços”.

Os Quatro Componentes da Insatisfação

Tendo isto em consideração, apresentamos-te de seguida os quatro fatores psicológicos que, segundo Eyal (2022), tornam a satisfação temporária:

  1. Tédio. O tédio demonstra que uma determinada situação ou atividade não está a propiciar satisfação ou a ser significante para a pessoa que a vivencia e/ou experimenta, o que consequentemente faz com que esta altere a sua atenção para algo que a mesma percecione como mais gratificante (Eyal, 2022).
  2. Preconceito da negatividade. Segundo Chai (2016), o preconceito da negatividade designa um fenómeno em que os episódios negativos revelam-se mais proeminentes e requerem mais atenção do que os eventos caracterizados como neutros ou positivos. Neste seguimento, Vaish e colaboradores (2008) afirmam que há uma maior tendência e facilidade em evocar memórias de teor negativo do que positivo. A corroborar este facto, o estudo de Baumeister e colaboradores (2001), evidenciou que as pessoas têm, de facto, mais propensão em relembrar acontecimentos infelizes da sua infância, apesar de caracterizarem a sua educação como feliz, na sua generalidade.
  3. Ruminação. Retrata, segundo Baumeister e colaboradores (2001), a nossa predisposição para pensar incansavelmente nas más experiências em detrimento das neutras e/ou boas. Treynor e colaboradores (2003) constatam que a comparação passiva que as pessoas tendem a fazer da situação presente com um padrão tido como inalcançável pode apresentar-se em pensamentos autocríticos como: “Por que não consigo lidar melhor com as coisas?”
  4. Adaptação hedónica. Shane Frederick e George Loewenstein (Frederick & Loewenstein, 1999) foram os primeiros psicólogos a estudar este fenómeno. Fenómeno esse que diz respeito à propensão que os seres humanos possuem de se adaptarem de forma rápida a grandes acontecimentos e alterações positivas e/ou negativas da vida e, posteriormente, retornarem ao seu nível base de felicidade (Eyal, 2022; Fishbein, 2016). Tendo isto em mente, e atendendo ao facto de que há medida que uma pessoa alcança mais sucesso, as suas expectativas e desejos aumentam conjuntamente, verifica-se que o resultado, ao fim e ao cabo, é a insatisfação o que, por outras palavras, significa que as pessoas não alcançam nenhum ganho duradouro de felicidade (Fishbein, 2016). Assim, a adaptação hedónica pode ser tida como algo negativo, quando o indivíduo integra um ciclo de insatisfação continuada, não obstante, esta pode-se caracterizar como benéfica quando protege o indivíduo de situações negativas (Mey, 2022).

O Caminho para a (In)felicidade

De acordo com Costa (2005), as pessoas tendem a relacionar bens materiais com a felicidade, sendo que o impulso para o consumo não existiria sem a vontade contida da mesma. O consumismo parece dar resposta a essa procura de felicidade, neste sentido, vende-se a ideia errônea de que através da compra obtém-se a sensação de satisfação (Silva, 2012). Com o intuito de compreender de forma mais adequada ê consumidorie, é feita uma ligação entre a neurociência, o marketing, a psicologia e o comportamento humano. A Neurociência Cognitiva tem como principal objetivo estudar as capacidades psicológicas dos indivíduos tais como a inteligência, a memória, o pensamento, a linguagem, a perceção e o modo de aprendizagem. Contudo, esta área não se associa somente ao cérebro humano, mas também a experienciação sensorial que é realizada no decorrer da vida (Rocha, 2020). Certos campos do cérebro responsáveis pela sensação de satisfação e prazer são acionados no momento em que lhes é dado a conhecer determinadas logomarcas (Fernandes e Macedo, 2012).

Compras impulsivas

As compras online sofreram um acréscimo ao longo do tempo, e segundo Schmitt 2000, são as componentes emoção e razão que incentivam ê consumidorie ao ato de comprar (Rocha, 2020). De acordo com Rook e Hoch (1985), as compras impulsivas podem ser explicadas  através de cinco fatores internos: descontrolo psicológico, conflito psíquico, consequências, espontaneidade e avaliação cognitiva. Relativamente ao descontrolo psicológico, este deriva da dificuldade de consumidorie se controlar no que toca ao ato de comprar determinado item. O conflito psíquico relaciona-se com a indecisão de consumidorie no que diz respeito à gratificação instantânea após a compra; as consequências futuras, advém do facto de compradorie não refletir acerca das mesmas na ocasião em que é adquirido um item; a espontaneidade refere-se ao desejo súbito de obter certos produtos, aquando da sua presença (Rook & Hoch, 1985). Ademais, também existem fatores externos, entre eles destacam-se, o contexto, fatores humanos e a persuasão social, que têm como principal objetivo de chamar à atenção des compradories e impulsioná-les à aquisição de um determinado produto (Aniceto, 2019).

Estratégias de manipulação do marketing

No que respeita à incitação do consumo, o mercado parece não olhar a meios para atingir o fim de manter a chama do desejo acesa nes consumidories, o que contribui para que es mesmes realizem compras de forma compulsiva (Silva, 2012). Assim, es especialistas em marketing empregam algumas estratégias de manipulação, mas de forma subliminar, para poderem garantir o sucesso das mesmas.

Segundo Martin Lindstrom (2012), exemplos destas estratégias são a nostalgia, a esperança e o desejo que têm o potencial de fazer com que ê cliente faça compras a partir de processos emocionais, deixando a razão para segundo plano. A nostalgia explica o motivo pelo qual temos uma predileção, em adultos, por uma determinada marca utilizada na infância, o que faz com que as estratégias de marketing baseadas na nostalgia tenham a capacidade de levar ê consumidorie a uma breve visita ao seu passado, onde irão emergir as suas memórias mais felizes. Desta forma, o principal objetivo inerente a esta estratégia é fazer com que es consumidories, através de processos inconscientes, realizem associações entre as marcas e as memórias agradáveis do seu passado.

Por sua vez, a utilização da esperança é também uma das táticas mais utilizadas para instigar o desejo, estando precisamente por trás de alguns dos mais conhecidos slogans, aparentemente, inofensivos, como “Just do it”, ou por exemplo, “Impossible is Nothing”. Nike e adidas? Foi a associação que o teu cérebro fez quase imediatamente, não foi?

Por fim, o desejo é a estratégia que está subjacente às outras duas anteriormente discutidas e constitui o recurso preferencial de várias empresas pertencentes, particularmente, aos ramos da alimentação e da cosmética. Mas, ao contrário daquilo que tendemos a pensar, o desejo não traz à superfície apenas as nossas vontades espontâneas, este também esconde uma certa ilusão: muitas das vezes tendemos a percecionar o desejo como natural, quando na verdade este foi verdadeiramente instigado por estratégias que têm como objetivo atingir o nosso inconsciente. Assim, cientes da nossa dificuldade em controlar os desejos, as empresas ao elaborarem as suas publicidades, incluem gatilhos mentais, na altura em que sabem que é mais provável desejarmos consumir os seus produtos.

Referências

Aniceto, I. D. F. J. A. (2019). Valores Pessoais e Compras por Impulso: o efeito mediador da motivação hedónica da compra [Tese de mestrado, Universidade de Coimbra]. http://hdl.handle.net/10316/89927

Baudrillard, J. (1970). La société de consommation. Gallimard.

Baumeister, R. F., Bratslavsky, E., Finkenauer, C., & Vohs, K. D. (2001). Bad is stronger than good. Review of General Psychology, 5(4), 323–370. https://doi.org/10.1037/1089-2680.5.4.323

Chai, J., Qu, W., Sun, X., Zhang, K., & Ge, Y. (2016). Negativity bias in dangerous drivers. PloS one, 11(1), 1-15. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0147083

Costa, J. F. (2005). O vestígio e a aura: Corpo e consumismo na moral do espetáculo. (4ª edição). Garamond.

Eyal, N. (2022, Julho, 16). Why it’s so hard to ever feel satisfied. Psychologytoday.com. https://www.psychologytoday.com/intl/blog/automatic-you/202207/why-its-so-hard-ever-feel-satisfied

Fernandes, S., & Marcelo, L. (2012, Junho, 14-16). A Importância do Neuromarketing como Ferramenta de Descoberta das Motivações para o Consumo [Comunicação oral]. XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, Recife – PE. http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2012/resumos/R32-0260-1.pdf

Fishbein, M. (2016, Agosto, 25). The happiness trap: Why you’re never satisfied and how to break the cycle. Medium.com. https://medium.com/the-mission/the-happiness-trap-why-youre-never-satisfied-and-how-to-break-the-cycle-e643ebc788bf

Frederick, S., & Loewenstein, G. (1999). Hedonic adaptation. In D. Kahneman, E. Diener, & N. Schwarz (Eds.), Well-being: The foundations of hedonic psychology (pp. 302–329). Russell Sage Foundation.

Lindstrom, M. (2012). Brandwashed. GESTÃO PLUS.

Mey (2022, Agosto, 1). O eterno sentimento de insatisfação ou porque nunca estamos felizes com o que temos. Planetamey.com. https://planetamey.com/el-eterno-sentimiento-de-insatisfaccion-o-por-que-nunca-estamos-contentos-con-lo-que-tenemos/

Nir and Far. (2023). Why you’re never going to be satisfied with life. https://www.nirandfar.com/why-you-are-never-satisfied/

Rocha, A. I. M. (2020). Neuromarketing e a relação com o marketing sensorial no estudo do comportamento dos consumidores nas vendas online [Dissertação de Mestrado, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto]. Repositório P.Porto. http://hdl.handle.net/10400.22/21281

Rook, D., & Hoch, S. (1985). Consuming impulses. Advances in Consumer Research, 7(1), 23-27. https://www.acrwebsite.org/volumes/6351/volumes/v12/NA-12

Silva, V. (2012, Junho, 25). A felicidade como imperativo de consumo. Psicologia.pt. https://www.psicologia.pt/artigos/ver_opiniao.php?a-felicidade-como-imperativo-de-consumo&codigo=AOP0313

Treynor, W., Gonzalez, R., & Nolen-Hoeksema, S. (2003). Rumination reconsidered: A psychometric analysis. Cognitive therapy and research, 27, 247-259. https://doi.org/10.1023/A:1023910315561

Vaish, A., Grossmann, T., & Woodward, A. (2008). Not all emotions are created equal: The negativity bias in social-emotional development. Psychological Bulletin, 134(3), 383–403. https://doi.org/10.1037/0033-2909.134.3.383

Wilson, T. D., Reinhard, D. A., Westgate, E. C., Gilbert, D. T., Ellerbeck, N., Hahn, C., … & Shaked, A. (2014). Just think: The challenges of the disengaged mind. Science, 345(6192), 75-77. https://doi.org/10.1126/science.1250830

Youn, S., & Faber, R. J. (2000). Impulse buying: Its relation to personality traits and cues. Advances in consumer research, 27, 179-185. https://www.acrwebsite.org/volumes/8383/volumes/v27/NA-27/ful