Ano Novo, Mesmas Resoluções: Um ciclo a ser quebrado

Ano Novo, Mesmas Resoluções: Um ciclo a ser quebrado

Com certeza já terás ouvido ou até mesmo dito alguma destas expressões: “Ano novo, vida nova”, “Novo ano, novo eu”, “Este ano é que vai ser”, certo? Com a mudança de ano tendemos a dizer estas e outras coisas que acreditamos que vão finalmente acontecer. Pensamos no que conquistamos e falhamos, e definimos o que queremos alcançar no próximo ano, seja deixar de fumar, começar uma alimentação mais saudável ou até inscrevermo-nos no ginásio. 

Contudo, definir estas metas e realmente levá-las até ao fim não é assim tão fácil, daí que a maioria das pessoas desiste ao fim do primeiro mês. Queres saber mais sobre metas e resoluções de Ano Novo? Sobre como é que a motivação de cada ume de nós evolui desde a sua definição até à concretização? Sim? Então vamos lá! 

A procura por objetivos pessoais é essencial para a experiência humana e impulsiona grande parte do comportamento humano quotidiano, promovendo adaptações positivas na vida (Dickson et al., 2023). As “metas”, segundo Austin e Vanvouver (1996), são caracterizadas como representações internas de estados que se desejam atingir.

O Ano Novo é bem-vindo em todo o mundo, sendo que uma atividade comum do ser humano é o estabelecimento de resoluções de Ano Novo (Dickson et al., 2021). Este oferece uma oportunidade para as pessoas fazerem um balanço, uma avaliação e reflexão do ano que passou e, com base nisso, definirem as metas que desejam atingir no ano seguinte (Dickson et al., 2021). Tal como os objetivos pessoais de cada ume, também as resoluções de Ano Novo exigem que as pessoas tomem ações congruentes com esses objetivos para que consigam superar obstáculos, bem como resistir à tentação de metas concorrentes (Dickson et al., 2021). Por exemplo, se o nosso objetivo é passar a todas as unidades curriculares, as nossas ações devem envolver estudar em vez de ficar a dar scroll no TikTok.

Dickson et al. (2021), identificaram dois mecanismos relacionados com a resolução de Ano Novo, que podem estar associados ao bem-estar mental. O primeiro é a flexibilidade, ou seja, a capacidade de lidar com os contratempos com imparcialidade e de ajustar a procura da meta conforme necessário (Dickson et al., 2021). Já o segundo, a tenacidade, diz respeito à “persistência no esforço para alcançar o resultado desejado sob condições difíceis” (Siltanen, 2019, as cited in Dickson et al., 2021, p. 2). Para além disto, a rigidez e a inflexibilidade tornam mais difícil a adaptação do objetivo face a dificuldades, o que pode levar a um pensamento “tudo ou nada”, resultando numa meta abandonada em vez de ajustada (Dickson et al., 2021). 

Sabias que as pessoas tendem a repetir as mesmas resoluções, ano após ano? 

Apesar da investigação relativa às resoluções de Ano Novo não ser vasta, verificou-se que as resoluções mais definidas com a mudança de ano baseiam-se na perda de peso, deixar de fumar, começar uma nova dieta, praticar mais exercício, ou até objetivos relacionados com o trabalho ou escola (Dickson et al., 2021; Dickson et al., 2023; Hallinan et al., 2023). Estas têm como principal foco o autoaperfeiçoamento, o corpo e a felicidade (Dickson et al., 2023; Hallinan et al., 2023). 

As pessoas com a mudança de ano procuram ser a sua melhor versão, trabalhando,  assim, no sentido do autoaperfeiçoamento e da autoaceitação, de modo a alcançarem o bem estar e a felicidade (Hallinan et al., 2023). Por um lado, esforçam-se por se organizarem melhor e obterem resultados mais benéficos no trabalho ou na escola – autoaperfeiçoamento -, e por outro, procuram desenvolver o amor próprio – autoaceitação (Hallinan et al., 2023). 

O corpo representa um objeto de valor para as pessoas, na medida em que abrange preocupações relacionadas com a saúde e aparência física (Hallinan et al., 2023). O aumento da adesão à prática de exercício está associado a benefícios tanto para a saúde física como mental (Dickson et al., 2023). No entanto, num estudo realizado por Dickson et al. (2023), as pessoas afirmaram que ao longo do ano tendem a não cumprir as metas sobre exercício que definiram, levando a que mais de 50% des participantes tenha relatado inatividade física após um mês de iniciarem a busca pelo seu objetivo (Dickson et al., 2023). 

Já te perguntaste de onde vem a motivação? A motivação é o impulso que leva uma pessoa a realizar uma tarefa ou atividade, definir metas e objetivos, tornando-se essencial para alcançar as conquistas planeadas no início do ano (Ryan & Deci, 2000). Existem dois tipos principais de motivação: intrínseca e extrínseca (Ryan & Deci, 2000). A motivação intrínseca é aquela que surge a partir de uma necessidade interna ou interesse pessoal na atividade, ou seja, a pessoa faz algo porque a atividade em si é recompensadora, interessante ou desafiadora, e não há uma recompensa externa envolvida (e.g. hobby) (Ryan & Deci, 2000). A motivação extrínseca é aquela que surge de uma recompensa externa, como dinheiro ou reconhecimento social (Ryan & Deci, 2000). Um exemplo comum de motivação extrínseca pode ser visto quando alguém estuda para um teste, porque quer uma boa nota e não porque tem interesse pelo assunto (Ryan & Deci, 2000). Embora ambas as formas de motivação possam ser úteis em diferentes situações, a motivação intrínseca tende a levar a melhores resultados e à satisfação pessoal a longo prazo, enquanto que a motivação extrínseca pode levar à dependência das recompensas externas (Ryan & Deci, 2000).

Quando não conseguimos cumprir as metas previamente estabelecidas, é comum enfrentarmos um processo de frustração (Montañés, 2022). Este estado emocional refere-se a uma desorganização comportamental e emocional, manifestando-se como resultado do impedimento de realizar um comportamento motivado quando há uma expectativa de alcançar um objetivo significativo (Montañés, 2022). Desta forma, lidar com o não cumprimento de metas é desafiador, mas uma parte inevitável do processo de atingir os objetivos e evitar a frustração (Carver & Scheier, 2011, as cited in Raimundo & Silva, 2022).

Em primeiro lugar, é fundamental adotar uma abordagem construtiva, refletindo sobre as razões do não cumprimento, ajustando metas realistas e aprendendo com a experiência (Latham & Locke, 1991, as cited in Raimundo & Silva, 2022). Quando as pessoas percecionam o não cumprimento como uma oportunidade de aprendizagem, têm uma melhor experiência na autorregulação, resultando em menos frustração (Fujita, 2011, as cited in Raimundo & Silva, 2022). Desta forma, avaliar as experiências, analisar o que deu certo e o que pode ser melhorado, tornam-se uma tarefa importante (Raimundo & Silva, 2022). A autocompaixão é fundamental nesse processo, compreender que falhas são naturais e parte do crescimento pessoal ajuda a manter uma mentalidade positiva (Converse et al., 2019, as cited in Raimundo & Silva, 2022).

Além disso, procurar apoio de amigues, familiares ou mentories é uma estratégia que pode ajudar na persistência das metas, visto que, partilhar as dificuldades não só alivia o peso emocional, como também pode encorajar (Köpetz et al., 2011, as cited in Raimundo & Silva, 2022). A flexibilidade e a adaptabilidade são essenciais, fortalecendo a resiliência para enfrentar futuros desafios (Converse et al., 2019, as cited in Raimundo & Silva, 2022).

Sabendo isto, como podemos de facto, levar as metas até ao fim? Para além das estratégias que já mencionamos, é essencial começares por estabelecer a grande meta (Carter, 2017). O que gostarias de realizar? De seguida, deves dividir a ideia mais ampla em objetivos de longo prazo (até três meses) e dividir novamente, mas em metas de curto prazo (que se atinjam, por exemplo, de uma a três semanas) e, assim, distribuir os objetivos em pequenos passos específicos e “ridiculamente fáceis” (Carter, 2017). O que podes fazer hoje? Ou amanhã? Nesta etapa, devem ser dados baby steps, ou seja, passos pequenos que fazem parte do processo (Carter, 2017). 

Gostamos de pensar que o nosso comportamento é a força da nossa vontade e que isso determina o nosso sucesso, no entanto, a verdade é que somos imensamente influenciades pelas pessoas, lugares e tecnologia que estão à nossa volta (Carter, 2017). Devemos envolver as pessoas, dado que o ser humano fica mais motivado a fazer algo se se sentir parte de um grupo ou se isso aprofundar ou aumentar as ligações sociais, funcionando como uma motivação extrínseca (Carter, 2017). É ainda essencial que identifiques o porquê do teu objetivo ser importante para ti, ou seja, pensa menos no que queres alcançar e mais na forma como te desejas sentir (Carter, 2017). Estudos dizem que quando arranjamos algo lógico para fazer algo (como fazer exercício físico para baixar a pressão arterial), na verdade não nos motiva a longo prazo (Carter, 2017). Posteriormente, faz do teu objetivo parte da tua identidade, isto é, associa-o a quem tu és, como se tu já o tivesses concretizado ou iniciado o processo para tal (Carter, 2017). 

Quando o ser humano identifica uma potencial recompensa, liberta dopamina – um mensageiro químico de bem-estar e prazer -, logo sentimo-nos mais motivades em direção à recompensa, criando uma sensação real de desejo, então deves, também, tornar o comportamento mais atraente (Carter, 2017). Finalmente, de modo a continuares a trabalhar no sentido de concretizares o teu objetivo, deves tornar o comportamento mais habitual (Carter, 2017). Assim, o comportamento entra na rotina e torna-se evidentemente mais fácil, uma vez que comportamentos habituais não exigem tanta força ou vontade da nossa parte (Carter, 2017). Podes adotar a estratégia de ancorar os comportamentos que queres implementar a hábitos já existentes, para que associes rotineiramente aquela atividade à nova tarefa (Carter, 2017). 

Em suma, com a passagem de ano tendemos a definir resoluções para o novo ano, mas nem sempre nos sentimos motivades ou acabamos por desenvolver frustração por não conseguirmos alcançá-las imediatamente. Esperamos que as estratégias que te apresentamos sejam úteis e seja finalmente o ano em que concretizas os teus objetivos! 

Passou um mês de 2024, contamos que ainda não tenhas desistido… afinal ainda tens  inúmeras oportunidades para cumprir as tuas resoluções!

Referências bibliográficas

Austin, J. T., & Vancouver, J. B. (1996). Goal constructs in psychology: Structure, process, and content. Psychological Bulletin, 120(3), 338–375. https://doi.org/10.1037/0033-2909.120.3.338

Carter, C. (2017). How to get better at achieving your goals. Greater Good Magazine

https://greatergood.berkeley.edu/article/item/how_to_get_better_at_achieving_your_goals#

Dickson, J. M., Hart, A., Fox-Harding, C., & Huntley, C. D. (2023). Adaptive goal processes and underlying motives that sustain mental wellbeing and New Year exercise resolutions. International Journal of Environmental Research and Public Health, 20(2), 1-16. https://doi.org/10.3390/ijerph20020901

Dickson, J. M., Moberly, N. J., Preece, D., Dodd, A., & Huntley, C. D. (2021).                           

Self-regulatory goal motivational processes in sustained NewYear resolution pursuit and mental wellbeing. International Journal of Environmental Research and Public Health, 18(6), 1-13. https://doi.org/10.3390/ijerph18063084

Hallinan, B., Kim, B., Mizoroki, S., Scharlach, R., Trillò, T., Thelwall, M., Segev, E., & Shifman, L. (2023). The value(s) of social media rituals: A cross-cultural analysis of New Year’s resolutions. Information, Communication & Society, 26(4), 764-785. https://doi.org/10.1080/1369118X.2021.1983003 

Montañés, M. C. (2022). Motivação: Porque fazemos o que fazemos. Bonalletra Alcompas, S.  L. 

Raimundo, L. A., & Silva, R. R. (2022). Motivação no ambiente de trabalho: O impacto na motivação. Faculdade de Tecnologia de Franca Dr Thomaz Novelino.             https://ric.cps.sp.gov.br/handle/123456789/12029

Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2000). Intrinsic and extrinsic motivations Classic definition and new directions. Contemporary educational psychology, 25(1), 54-67.                         https://doi.org/10.1006/ceps.1999.1020

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Imagem: Inês Moura