O sorteio ditou e o Vilar de Perdizes aprovou: FC Porto na 3ª eliminatória da Taça de Portugal, num encontro místico entre guerreiros e dragões.
Nesta sexta-feira, 20 de outubro de 2023, o GD Vilar de Perdizes recebe, embora em campo emprestado (Estádio Municipal Engenheiro Manuel Branco Teixeira), o FC Porto pelas 20h45. Um jogo a contar para a prova Rainha, competição que ao longo dos anos, tem feito com que as equipas menos reconhecidas mostrem todo o seu valor.
Não é só a Taça de Portugal que tem história para contar. A aldeia de Vilar de Perdizes, situada no distrito de Vila Real, também a tem. Com cerca de 450 habitantes e apenas 25,56 km² de área, a mística e a bruxaria imperam. Neste local habita um clube onde as várias tradições populares estão muito presentes dentro do balneário. Desde a alho nos casacos até ao sal no chão, estas são apenas algumas das pequenas superstições da equipa do Vilar de Perdizes.
Umas das principais figuras com maior influência nesta aldeia é o Padre Fontes. Impulsionador da “Sexta-Feira 13” em Montalegre, já garantiu a sua presença no balneário para afastar todos os males que se possam intrometer no caminho do Vilar de Perdizes.
Outra figura importante é Márcio Rodrigues, atual presidente do clube, assumindo o cargo em 2009, ainda como jogador. Exerceu os dois postos até 2016, quando o clube alcançou a melhor classificação de sempre até à altura, um segundo lugar na AF Vila Real, Divisão de Honra, ajudando a colocar a aldeia no mapa do futebol.
Em 2017, o Estádio Municipal da Lage deixou a terra batida e, com os devidos apoios da FPF e do município, o campo foi “benzido” com um relvado sintético, permitindo, à partida, a participação nos campeonatos nacionais. Apesar de tudo, os jogos desta época em casa têm sido no Complexo Desportivo Francisco Carvalho, em Chaves, a cerca de 25km de distância da aldeia. No encontro contra o FC Porto, o Vilar de Perdizes será obrigado a “receber” o adversário na casa do GD Chaves, o Estádio Municipal Engenheiro Manuel Branco Teixeira.
No meio de todas estas batalhas, os Guerreiros da Raia vão agora medir forças com Dragões, numa partida onde tanto o treinador, como os seus jogadores vão tentar divertir-se ao máximo, mas ao mesmo tempo, manter o foco e a postura perante um dos “Três Grandes”, numa casa que habitualmente não lhes pertence.
O primeiro jogo contra os de primeira
Sendo o primeiro jogo de muitos destes jovens jogadores contra uma equipa “de primeira”, os ânimos e a felicidade que estes exaltam é dificilmente escondida. Agustin de Armas, centrocampista norte-americano, foi o escolhido para demonstrar como se encontram os níveis anímicos da equipa.
“Para nós é o jogo da nossa vida, porque desde jogar na quarta divisão para jogar com uma das melhores equipas do país… ainda não conseguimos acreditar”, avança o americano. Acrescenta ainda, “só quero que venha o jogo, só quero que chegue sexta-feira”.
Agustin de Armas, nascido e criado em Nova Iorque junto com os seus pais uruguaios, vê a sua mudança para Portugal como algo muito sério e classifica esta mudança como “uma experiência boa”. Este é sem dúvida o jogo da sua vida pois, depois de deixar a casa dos pais ainda muito novo e estar longe deles para tentar “perseguir o sonho que todos os meninos pequenos têm”.
O americano não esconde a felicidade em se ter juntado ao clube e poder representar, tanto a aldeia de Vilar de Perdizes, tanto como o seu próprio clube: “É uma vila muito pequena, muito unida. Toda a gente se conhece, toda a gente se dá bem! É muito bom treinar lá [Vilar] todos os dias e ver toda a gente na vila feliz que nós estejamos lá.”. Esta união e amor pelo clube faz com que todos trabalhem para o mesmo objetivo: “tentar dar à vila, algo com que eles possam ficar felizes! Espero que consigamos trazer o resultado para casa.”.
Apesar de ser uma das “Armas” principais da equipa do Vilar de Perdizes, Agustin já tem uma pequena história passada com o FC Porto. No verão do ano passado, a convite da sua agência, teve a oportunidade de treinar lá [FC Porto] algumas semanas. “Fui treinar com eles [FC Porto]… para ganhar alguma experiência e perceber como funcionava a equipa sub19. Ver como é que é jogar numa das melhores equipas aqui de Portugal”, afirmou o médio.
Um dos sonhos de Armas está prestes a realizar-se. “espero que continue a crescer e que um dia consiga jogar numa das melhores equipas do mundo”, confessando que se inspira no seu dia a dia nos seus ídolos de infância: Sergio Busquets, Andrés Iniesta e, mais recentemente, Federico Valverde.
De ídolos (do FIFA) a adversários (da vida real)
Após o mister, Vítor Gamito, colocar umas “mezinhas”, o feitiço do GD Vilar de Perdizes querer jogar contra um grande, tornou-se realidade. Desde o dia 24 de setembro que o treinador já previa este encontro, mas só no próprio dia do sorteio é que começou a sentir-se nervoso. “Estava na hora de almoço… e sentia que ia haver qualquer coisa naquele dia, não sei bem explicar o quê, e quando vi o sorteio, senti uma alegria enorme.”, afirmou o técnico do Vilar de Perdizes.
Após o sorteio, um vídeo da equipa tornou-se viral. Jogadores alegres e aos saltos em reação ao adversário sorteado: “Tinha pedido isso, porque não jogamos a Taça de Portugal para a vencer, pois é algo quase impossível, nem pode ser considerado um dos nossos objetivos.” Sendo esta uma oportunidade única para o clube, tudo aquilo que o treinador pede à equipa é que percam o respeito pelo FC Porto “não no sentido insurreto, não no sentido de malcriadez”, mas sim no sentido de deixar a idolatria fora de campo: “Eu colecionava cromos do Sérgio Conceição, mas não posso olhar para ele neste jogo como meu ídolo. Os meus jogadores, jogam FIFA e colecionam cartas do Pepe e do Galeno, e vão defrontá-los agora!”
Num encontro onde pode dizer-se que é um “David vs Golias”, o clube raiano tem de atacar, à partida, os pontos fracos do gigante do futebol português, porém, o treinador flaviense espera apenas uma equipa à sua imagem: “independentemente dos jogadores que joguem, o Vilar de Perdizes tem de se apresentar ao seu melhor nível, sem perdermos a nossa identidade.”
Num encontro, já difícil contra um gigante do futebol português, o clube raiano não tem jogado em casa, mas apesar disso, o treinador natural de Chaves acredita que existe “sempre aquela adaptação de jogadores de fora à cultura do clube, ao misticismo que está implícito no clube. É normal ao fim de dois meses ver alguém a meter sal no balneário, meter alhos nos casacos, coisas que fazem da cultura popular”. Declarou não ter sido fácil jogar fora de casa, mas ainda assim conseguem sentir o apoio dos adeptos mais fervoroso, normalmente os mais idosos, e até de comunidades espanholas perto da fronteira.
O futebol do distrito de Vila Real foi também tema de conversa. O técnico de 35 anos apontou como principais fatores para a pouca presença de equipas do distrito vilarealense desde o Campeonato de Portugal até ao principal escalão do futebol português a desertificação do interior, a pouca existência de “fornadas” das camadas jovens e a pouca capacidade de conseguir manter os jovens que já têm.
Texto: Rodrigo Martins e Alexandre Pereira
Imagem: O Torgador