Um coelho nas nuvens? Um rosto numa torrada? Não é imaginação, é pareidolia!

Um coelho nas nuvens? Um rosto numa torrada? Não é imaginação, é pareidolia!

Imagina-te num dia de verão, deitade na relva, quando de repente olhas para o céu e uma das nuvens tem um padrão familiar: um cão, um gato ou até uma cara. Já te aconteceu? A resposta provavelmente é sim. Acertámos? Não te preocupes, este fenómeno é totalmente normal e tem um nome: Pareidolia. Intrigade? Nós explicamos. 

O conceito de pareidolia deriva das palavras gregas “para” e “eidos” cujos significados são, respetivamente, “junto de” e “imagem” ou “forma” (Wang et al., 2022). Deste modo, o termo pareidolia aponta para a tendência do nosso sistema visual extrair determinados padrões e significados provenientes do ambiente que nos rodeia (Lee, 2016; Wang et al., 2022).

De acordo com Wang et al. (2022), em 1885, o psiquiatra russo Victor Kandinsky introduziu tanto o termo pareidolie, em francês, como nebenbildwarnehmung, em alemão, para se referir a ilusões visuais parciais onde um objeto é percecionado como sendo um objeto diferente. Confuse? Pensa no exemplo que demos no início: o objeto verdadeiro, a nuvem, é percecionada como sendo outra coisa, a cara. 

Mas o que é que é afinal a pareidolia? Este fenómeno consiste na perceção ilusória de reconhecimento de padrões, objetos ou formas significativas, tendo por base aparências visualmente ambíguas (Flessert, 2022; Wang et al., 2022). E em que momento a experienciamos? Quando achamos que estamos a ver algo que não está de facto a ser visto (Flessert, 2022).

É através deste fenómeno que o ser humano, para além de captar, falsamente, imagens que lhe são conhecidas, codifica-as (Díez, 2023). Esta codificação é feita com base em informação acessível para as pessoas, através de padrões com os quais já estão familiarizadas, tais como rostos, animais ou objetos (Díez, 2023). Por outras palavras, a pareidolia, pode ser entendida como uma forma de ilusão, que se baseia na espontaneidade e atividade da reconstrução de um estímulo ambíguo e vago, com o objetivo de lhe atribuir significado (Díez, 2023).

Outra particularidade da pareidolia, é o facto de o cérebro associar sentimentos e/ou expressões humanas à captação e compreensão que faz destes padrões (Díez, 2023). Trocando por miúdos, é comum que aquilo que observamos esteja relacionado com memórias, que por sua vez, são alusivas a diferentes emoções como a alegria e a tristeza, ou ainda sensações como agradável ou desagradável (Díez, 2023).

Importante será referir que a pareidolia não é um acontecimento anormal ou raro, antes pelo contrário, é bastante comum, isto é, praticamente universal, visto que a grande maioria das pessoas já o experienciou (Díez, 2023). Apesar disto, existem diferenças pessoais que influenciam a facilidade e regularidade com que cada pessoa vivencia este fenómeno (e.g. idade) (Díez, 2023). Numa competição, entre uma criança e ume adulte, onde o objetivo é encontrar o maior número de animais nas nuvens, quem achas que tem mais probabilidade de ganhar? Regra geral, quem ganharia com mais facilidade seria a criança, já que a capacidade de imaginação e a curiosidade são características típicas da infância (Díez, 2023).

Ainda não estás convencide do que é a pareidolia? Nós damos-te exemplos. Quem nunca olhou para uma mancha, um objeto ou qualquer outro item e o associou a alguma outra forma ou até mesmo a um rosto? É através da pareidolia que uma simples nuvem “se transforma” num animal ou no rosto de alguém (Zhou & Meng, 2020). Um exemplo bastante comum é quando temos a sensação de ver pessoas, símbolos, animais ou objetos na lua, nomeadamente o símbolo do yin yang, silhuetas tipicamente femininas, um dragão ou um coelho (Wang et al., 2022). Sendo a pareidolia um fenómeno do quotidiano de todes nós, inúmeros são os exemplos da mesma, tais como: ver o rosto de Jesus numa torrada ou ainda termos a sensação que a fachada de um edifício está a olhar para nós (Palmer & Clifford, 2020; Wang et al., 2022).

Em tom de curiosidade, apesar da grande variedade de possibilidades de pareidolia, os rostos das pessoas são o tópico que mais regularmente é alvo deste fenómeno – pareidolia facial (Palmer & Clifford, 2020; Wang et al., 2022). Como veremos mais à frente, isto acontece, devido à elevada importância que os rostos e o processamento dos mesmos têm no contexto social onde o ser humano está inserido (Wang et al., 2022)

Como já observamos através dos exemplos dados, este fenómeno é comum e não é indicativo de doenças mentais. Contudo, existem perturbações, onde a ocorrência da pareidolia é mais elevada quando comparada com sujeites sem as mesmas.

Segundo Hamza et al. (2021), pacientes com esquizofrenia demonstraram níveis mais elevados de pareidolia face aos níveis de sujeitos sem esta perturbação e sujeitos com perturbação bipolar. Já Uchiyama et al. (2012) demonstraram no seu estudo com participantes com Demência de Corpos de Lewy e Alzheimer, que os que padeciam de Demência de Corpos de Lewy, uma das causas mais comuns de alucinações visuais na camada idosa, produziam um maior número de imagens por pareidolia do que aqueles com Alzheimer. 

Sabias que a pareidolia não é exclusiva aos seres humanos? Ao contrário do que popularmente se possa pensar, este fenómeno não se limita à cognição humana (Palmer & Clifford, 2020; Zhou & Meng, 2020). Estudos recentes apontam que os primatas não humanos, ao visualizar objetos inanimados, também exibem uma forte tendência para a perceção de pareidolia facial (Zhou & Meng, 2020). Deste modo, pode-se afirmar, que a pareidolia não é apenas um fenómeno resultante da cultura humana, esta, é também estimulada por propriedades do sistema nervoso compartilhadas entre algumas espécies de primatas (Palmer & Clifford, 2020).

Agora que já compreendes um pouco mais sobre pareidolia, está na altura de saberes mais sobre pareidolia facial. Provavelmente já deste por ti a ver rostos em objetos, como carros e tomadas de eletricidade. Sabes o que é isto e porque é que tal ocorre? Bem, nós explicamos. A perceção ilusória de rostos em objetos inanimados denomina-se pareidolia facial (Caruana & Seymour, 2022). Este fenómeno é muito comum e quase todos nós temos a capacidade de experienciar tais eventos (Caruana & Seymour, 2022).

A capacidade de detetar rostos surge em estágios iniciais da vida (e.g. bebé reconhece es cuidadories) e está dependente de um sistema subcortical específico e de um mecanismo cortical especializado em reconhecimento facial (Leadner et al., 2022). No reconhecimento facial estão envolvidos dois processos, o processamento de características e o processamento configuracional (Leadner et al., 2022). O processamento de características possibilita a perceção de características faciais, tais como olhos, boca e nariz (Leadner et al., 2022). Já o processamento configuracional indica a relação entre as características faciais (Leadner et al., 2022). Este tipo de processamento, é fundamental para a identificação de expressões faciais específicas em objetos similares a rostos (Leadner et al., 2022).

Ao longo da evolução humana, o sistema visual foi desenvolvendo mecanismos neuronais especializados para identificar rostos rapidamente e os sinais que estes transmitem (Caruana & Seymour, 2022). A psicologia evolutiva propõe que a capacidade de reconhecer rostos pode ser considerada um mecanismo evolutivo que contribui para a sobrevivência da espécie humana, na medida em que poderia ser utilizado como sinal de alerta ao reconhecer e discriminar rostos familiares de outros desconhecidos ou hostis (Díez, 2023). O desenvolvimento desta capacidade permitiu que, em milissegundos, o cérebro identificasse sinais faciais (e.g. expressões de medo) que indicavam ameaças (e.g. predadores, inimigues), fornecendo uma chance de alcançar segurança (Caruana & Seymour, 2022; Díez, 2023). 

Acredita-se que a capacidade de reconhecer rostos rapidamente evoluiu e constitui uma vantagem adaptativa, dado que, detetar rostos em objetos inanimados leva a menos consequências negativas e perigos do que o contrário (Leadner et al., 2022). Se ao experienciarmos pareidolia facial não surgirem consequências negativas e até acabar por ser uma experiência divertida ou interessante (e.g. rosto numa pintura abstrata), então não teremos perdido nada (Díez, 2023).

Como já deves ter percebido, um rosto pode fornecer diversas informações sociais, que favorecem a sobrevivência da espécie e a comunicação entre pessoas (Leadner et al., 2022). A observação de um rosto possibilita a inferência do ambiente social de alguém (Leadner et al., 2022). Por exemplo, ao olhar atentamente para uma pessoa podemos perceber as suas emoções, o seu foco de atenção e a sua disposição naquele momento, algumas intenções e possíveis necessidades (Leadner et al., 2022). O processamento facial é fundamental, uma vez que fornece informação aes observadories do que podem esperar da outra pessoa e como adequar o seu comportamento ae dê outre, permitindo assim, a sobrevivência e adaptação a ambientes sociais complexos (Leadner et al., 2022).

Em suma, várias são as formas e exemplos em que podemos observar pareidolia, e uma das expressões mais comuns deste fenómeno, a pareidolia facial. Estas são experienciadas pela maioria das pessoas, no seu dia a dia, desde a visualização de animais, rostos, objetos e coisas caricatas em utensílios, dispositivos, natureza e até na arte, que nos fornecem momentos de alegria e gargalhada, sem quaisquer consequências negativas. Agora que sabes o porquê da pareidolia ocorrer, olha ao teu redor e não te deixes enganar!

Referências bibliográficas

Caruana, N., & Seymour, K. (2022). Objects that induce face pareidolia are prioritized by the visual system. British Journal of Psychology, 113(2), 496-507. https://doi.org/10.1111/bjop.12546   

Díez, A. (2023, junho). Pareidolia: Quando o cérebro cria sentido de padrões. Superinteressante, (302), 24-29.

Flessert, M. (2022). Pareidolia. In Vonk, J. & Shackelford, T.K. (eds) Enciclopédia de Cognição e Comportamento Animal (pp 4953-4958). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-55065-7_1771

Hamza, E., Kéri, S., Csigó, K., Bedewy, D., & Moustafa, A. (2021). Pareidolia   in schizophrenia and bipolar disorder. Frontiers Psychiatry, 12(1), 1-10. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2021.746734

Leadner, K., Arabian, S., & Gabay, S. (2022). The involvement of monocular channels in the face pareidolia effect. Psychonomic Bulletin & Review, 29, 808-818. https://doi.org/10.3758/s13423-021-02027-3 

Lee, J. (2016). I see faces. In Malinowska & Lebek (eds), Materiality and popular culture: The popular life of things. Routledge.

Palmer, C. J., & Clifford, C.W.G. (2020) Face pareidolia recruits mechanisms for detecting human social attention. Psychological Science, 31(8), 1001–1012. https://doi.org/10.1177/0956797620924814

Uchiyama, M., Nishio, Y., Yokoi, K., Hirayama, K., Imamura, T., Shimomura, T., & Mori, E. (2012). Pareidolias: Complex visual illusions in dementia with Lewy bodies. Brain: A Journal of Neurology, 135(8), 2458-2469. https://doi.org/10.1093/brain/aws126 

Wang, C., Yu, L., Mo, Y., Wood, L., & Goon, C. (2022). Pareidolia in a built environment   as a complex phenomenological ambiguous stimuli. International Journal of Environment Research and Public Health, 19(9), 1-23. https://doi.org/10.3390/ijerph19095163

Zhou, L. F., & Meng, M. (2020) Do you see the “face”? Individual differences in face pareidolia. Journal of Pacific Rim Psychology, 14. https://doi.org/10.1017/prp.2019.27

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Imagem: Inês Moura