No dia 25 de fevereiro, decorreu no Espaço Igualdade o primeiro encontro público da LGBT+ Vila Real de 2023. Com a participação de caras conhecidas e novas à organização, partilharam-se histórias pessoais, ideias de atividades e opiniões miscelâneas ao longo de uma tarde.
O evento começou por volta das 12h à volta de uma mesa com comida e na presença de um computador ligado a um projetor. Ao longo da tarde, ouviu-se música, viu-se o vídeo da Marcha LGBT+ de 2022 e discutiu-se ideias. A atividade que começara com cerca de dez pessoas da comunidade e aliados, pois “não é preciso ser-se LGBT+ para defender os direitos”, chegou aos 25 participantes.
Embora as expectativas da organização para este evento não fossem altas, afirmam ter “plena consciência do trabalho” realizado até então e que a cidade e as pessoas se vão abrindo “ano após ano”, afirma a organizadora Andreia Carvalho da Silva. Um dos pontos fundamentais deste convívio e de outras atividades da LGBT+ Vila Real é ir ao encontro do que “poderá ser o benefício da comunidade”, explica. “A nossa expectativa é que as pessoas venham mais ao nosso encontro”, alertando para a necessidade de se “desmistificar” preconceitos e tabus da cidade e da população em geral.
A comunidade
Uma das pessoas que acolheu esta chamada foi Sílvia Francisco. Assumindo-se gender neutral, admite nunca ter tido “muita gente com quem falar” enquanto crescia e que agora sabe ter “muitos colegas que faziam parte [da comunidade]”. Elogia a organização e o Espaço Igualdade como sendo um “sítio seguro” para as pessoas se descobrirem e falarem e explica ainda como prefere ser referida: o Sistema Elu; de um modo simples, torna-se o género da palavra – geralmente determinado pela terminação em -o ou -a – neutro, através da terminação -e. “Sei que custa a habituar”, admite, mas afirma ficar mais fácil de perceber e utilizar em “ambientes que todos usam”.
Não é a primeira vez que Sílvia Francisco participa num evento desta organização e o mesmo pode dizer Pedro Fernandes, também conhecido por SexRuby. Drag queen, aproveitou o convívio para partilhar um vídeo da atuação da “alter ego” no qual participa a mãe. Esta drag queen atuou na Marcha LGBT+ 2022 de Vila Real e divide trabalho principalmente entre o Porto e o vilarrealense Bar Eme.
No entanto, nem todos os presentes contam com a compreensão e o apoio familiar. Um dos presentes, ainda adolescente, assume-se transsexual, o que levou à expulsão de casa por parte do pai. A morar atualmente com a irmã, no entanto, não perde a esperança: “nós, a comunidade jovem, conseguimos mudar o mundo” e tornar “Vila Real uma cidade melhor” para que se consiga “ser quem somos sem nos termos de esconder de alguém”. Questionado sobre o estado atual da mudança, afirma estar a ser acompanhado numa clínica no Porto e que começará o tratamento de testosterona em breve.
As dificuldades em casa não são novidade para a comunidade LGBT+, mas existe quem encontre conforto em Vila Real. Não sendo de cá, Inês Souto reconhece nunca se ter “predisposto a estar num evento destes” na terra nativa, pelo que a vinda para esta cidade “foi um passo para ficar mais livre”. Questionada sobre estas afirmações, afirma que o “receio de ter esta liberdade e este à-vontade” na terra nativa é um impedimento fundamental, um sentimento partilhado por vários membros presentes no evento.
Ódio e Esperança
“Quanto mais falamos, mais visíveis estamos, mas acabamos por estar mais expostos à violência”, diz Sílvia Francisco. O recente aniversário do assassinato da imigrante trans Gisberta no Porto, o recente homicídio da jovem britânica Brianna e os comentários transfóbicos de JK Rowling, autora de Harry Potter, foram assuntos levantados pelo jornalista. “É de lamentar que o ódio trespasse e infelizmente temos assistido a esse tipo de casos”, defende Andreia, pelo que “temos de perceber que nem toda a gente evolui no mesmo sentido, ao mesmo tempo”.
Na cidade, “nota-se mais as bocas”, “o desagrado com as pessoas [LGBT+]”, ao ponto de cidadãos “interromperem para dizer que estão incomodados” e “arrancarem cartazes” sob essa justificação. Na família, a falta de apoio ainda é uma realidade, pelo que a visualização da atuação da SexRuby com a mãe e a história dos desafios ultrapassados por ambas levou alguns dos membros às lágrimas e foi recebida com aplausos e incentivos.
Torna-se, assim, visível a importância de iniciativas como a Marcha LGBT+ e este evento para “mostrar quem somos e ter orgulho de quem somos”, afirma o adolescente, que refere ainda ter amigos da comunidade no grupo com que se encontrava no local. A expectativa é “que sejam muitos” os eventos, reforça Sílvia Francisco, e que é importante lembrar que “há cada vez mais pessoas que lutam pela sua igualdade, mesmo dentro do seu meio mais próximo”, alerta Inês.
Como possível solução, a educação aparece regularmente nas respostas: “tem de começar em casa, tem de começar nas escolas”, diz a organizadora Andreia. Complementando, a organizadora Ana Rita Silva afirma que “mudar os mais velhos é mais complicado”. Aliado a este pensamento, a iniciativa LGBT+ Vila Real surgiu do seio do Projeto Identidade, partilhando a mesma organização.
Projeto Identidade
Com origem em 2015, o Projeto Identidade é o “primeiro projeto de ativismo social de Vila Real a trabalhar a igualdade de género e LGBT+”. Com o objetivo de “prevenir no lugar de remediar”, começou com ações de rua – como a colocação de cartazes – e já conseguiu ir às escolas.
Atualmente, a organização sente que o projeto LGBT+ tem “melhor retorno” que a vertente de igualdade de género do Projeto Identidade. Parte disto, explicam, deve-se ao sentimento generalizado de que “está tudo feito na luta pela igualdade de género”, algo que consideram errado. “O Dia das Mulheres era um dia de luta”, afirma Ana Rita, “e hoje em dia dão-se flores e é dia de spa”.
Além disto, a organizadora defende ainda que o “machismo afeta principalmente mulheres, mas também os homens” através da masculinidade tóxica e da pressão da posição de chefe de família, mas que, atualmente, o homem “já tem liberdade para ser sensível”.
O Projeto Identidade mantém, portanto, a noção de que ainda “há muito a ser feito”.
Futuros eventos LGBT+
“Não podemos curar as coisas com pensos rápidos”, pelo que a organização tem marcada – e já divulgada – a data da Marcha LGBT+ 2023: 20 de maio, sábado. Esta edição contará com um dia extra, dia 19, sexta-feira, com diversas atividades ainda por divulgar.
Além da Marcha, a “ideia é continuar a fazer também encontros como o de hoje (25 de fevereiro)”, incentivando quem quiser a aparecer e “partilhar experiências”.
Texto: Joaquim Duarte
Imagem: Alexandra Nóbrega