O interesse pelos sonhos
Desde a antiguidade que os sonhos são um tópico do interesse geral, sendo levantadas inúmeras questões não só quanto à sua natureza, como aos seus significados. No entanto, não há consenso em relação ao porquê de sonharmos. Apenas se consegue afirmar que os sonhos se relacionam com a atividade mental ou neurofisiológica do indivíduo (Silva, 2000).
Os sonhos são difíceis de estudar, pois acontecem enquanto dormimos. Assim, temos acesso às memórias de sonhos, mas não aos sonhos propriamente ditos, o que pode justificar o mistério em torno deste fenómeno (Blechner, 2018).
O que é o sonho?
O sonho pode ser definido como uma condição onde existe carência de perceção sensível, na qual os sentidos estão temporariamente entorpecidos. No que concerne à sonolência esta é desenvolvida pelo nosso corpo e não pela nossa alma, visto que enquanto dormimos o nosso corpo repousa e encerra as suas tarefas. Assim, apenas as sensações corpóreas como o paladar, a visão, o olfato, o tato e a audição se encontram adormecidas, estando as restantes conservadas pela alma que as gere quando o cansaço domina os membros do corpo (Silva, 2021).
A alma retrata sensações sentidas pelo corpo, quando este se encontra acordado, e sensações do nosso passado. Assim, as imagens e feições representadas nos nossos sonhos podem ser provindas, por exemplo, de um set de legos parcialmente completo ou incompleto, pelo que são apenas fragmentos. No entanto, estas apresentam carência de organização, que só pode ser alterada pelo próprio indivíduo, alterando as peças de forma a criar uma imagem ilusória do seu quotidiano (Silva, 2021).
Os sonhos tendem a refletir-se, predominantemente, através de figuras visuais, não obstante de se transmitirem de outras formas, como figuras auditivas e, ocasionalmente em aspetos sensoriais (Freud, 1900).
Qual a causa dos sonhos?
Cerca de um terço das nossas vidas é passado a dormir e muito desse tempo, a sonhar, portanto, dada a sua regularidade, não podemos esperar uma única resposta para a pergunta “Porque sonhamos?” (Blechner, 2018). Pode dizer-se que aquele que sonha é altamente consciente (tem experiências vívidas) e, ao mesmo tempo encontra-se desconectado do ambiente (está a dormir). Então o cérebro é capaz de criar uma história, gerando imagens, e tudo isto enquanto se dorme (Nir & Tononi, 2010).
O sono é composto por 4 fases que permitem desde o descanso até à consolidação da memória. Os sonhos ocorrem por norma durante a última fase, conhecida por REM (Rapid Eye Movement). Nesta, a mente encarrega-se de processar a informação captada ao longo do dia, bem como de organizá-la descartando o que não é importante (Teixeira, 2022). No entanto, os sonhos não se reduzem a atividade cerebral durante a fase REM do sono, relatando-se que estes estão relacionados com mecanismos do prosencéfalo (área frontal do cérebro) e podem também ocorrer durante o primeiro sono e enquanto se está desperto (Nir & Tononi, 2010).
Não existe uma resposta concreta para qual a causa dos sonhos, mas aponta-se que estes possam ser gerados pelo prosencéfalo e partam da nossa imaginação (memórias, pensamentos abstratos, desejos) e perceção (experiências sensoriais vívidas) (Nir & Tononi, 2010).
Porque é que nos esquecemos dos sonhos?
A lembrança do sonho desvanece assim que acordamos, pelo que se torna um paradoxo. No entanto, apesar da memória ir desaparecendo é possível recordar o mesmo. De facto, após acordarmos sabemos como foi o sonho e temos consciência de que a nossa lembrança é fragmentada, acreditando que está incompleta e que ao longo da noite tivemos acesso a mais partes da ilusão. Efetivamente, a memória do sonho que, pela manhã, ainda era concreta vai desaparecendo com o decorrer do dia, ficando unicamente alguns segmentos do mesmo (Freud, 1900).
Na maior parte das vezes temos a noção de que sonhamos, porém não conseguimos recordar o seu conteúdo. Contudo, pode acontecer que esta recordação se manifeste através de um extraordinário poder de memória e prevaleça no nosso consciente. Esta situação é extremamente relevante, porém, até ao momento, impossível de compreender (Freud, 1900).
Qual o significado psicológico dos sonhos?
O processo de interpretação dos sonhos pode apresentar significados a nível psicológico. De facto, o sonho apresenta-se como uma forma coerente de compreender os sinais ativadores, sendo que estes demonstram ter características individuais aleatórias.
Assim, os sonhos consistem em idealizações das memórias previamente armazenadas, pelo que demonstram, de uma forma única, a conceptualização do conhecimento, no entanto sonhos singulares não conseguem ser monitorizados e associados a momentos específicos da vida do indivíduo. Para além disso, os sonhos espelham a personalidade, a operação mental e os interesses que surgem durante o sono. Investigações referentes às características atribuem uma relação entre a imaginação, o humor, as preocupações e os interesses ao próprio sonhar e acordar dos indivíduos (Nir & Tononi, 2010).
Referências
Blechner, M. J. (2018). The mindbrain and dreams: An exploration of dreaming, thinking, and artistic creation. Routledge.
Freud, S. (1900). The interpretation of dreams. Macmillan Publishers.
Nir, Y., & Tononi, G. (2010). Dreaming and the brain: From phenomenology to neurophysiology. Trends in cognitive sciences, 14(2), 88-100. https://doi.org/10.1016/j.tics.2009.12.001
Silva, F. M. (2000). Uma análise behaviorista radical dos sonhos. Psicologia: Reflexão e Crítica, 13, 435-449. https://doi.org/10.1590/S0102-79722000000300012
Silva, M. R. D. (2021). Sonho, imagem e sensação na teoria da percepção sensível de epicuro. Prometheus – Journal of Philosophy, 13(37). https://doi.org/10.52052/issn.2176-5960.pro.v13i37.13285
Teixeira, C. C. A. (2022). Fundamentos do sono, sonho e qualidade de vida sob perspectiva neurocientífica. Epitaya E-books, 1(9), 30-37. https://doi.org/10.47879/ed.ep.2022489p30