O tempo e a vulnerabilidade iminente

O tempo e a vulnerabilidade iminente

Onde estamos e para onde vamos? O tempo está estagnado nas nossas próprias fantasias. Não estamos a viver porque estamos focados no que vai acontecer. Projeções futuras em situações um pouco irreais para o real. Talvez esteja a ser só cruel, mas e se não estou? E se não for? Talvez fique no marasmo de utilizar eufemismos numa falsa esperança de consciência pública. Atenção, estamos tão entranhados que o bicho agita lá dentro sem falar, mudo como porta, ele rasteja à procura de necessidades até então desconhecidas. Em minha defesa, sempre disseram que falar é mais fácil do que agir, mas porque deixamos o fio do momento correr por entre os dedos? Porque é que tudo passa tão rápido enquanto estamos só a ver, como gente desconhecida, a vida a acontecer? Sempre achei que para viver tínhamos que sentir, sentir para saber do que é feito cada célula recôndita que habita no mais âmago dos nossos corpos.

Eu guardo a certeza de que já não sabemos como vivenciar o agora, enlaçar o presente com o prazer de estar. Num lapso eu já sinto os dedos a tremerem por um registo no Instagram. Tarde demais! O brilho do sol foi demasiado rápido e os meus olhos não captaram o lampejo dos raios. A intuição que chamo de minha está morta e já não sei o que é agir por mim. O meu norte está avariado porque está condicionado ao externo. Faço pelos outros e não por mim. Lutar contra os impulsos que limitam a minha essência é como uma curva escura no fim que apenas existe no desconhecido, é lidar com o impalpável, quase como um ato de fé. A felicidade, o gozo do momento da aprovação externa é tão latente e tão momentâneo, ele foge e não tenho como correr. Os meus pés estão amarrados na cadeira da necessidade invisível. Quero elogios, quero um carro, quero ser rica, quero mais, eu quero tanto que não sei o que quero, mas quero!

Já nada preenche porque já nada colige comigo. Estou a viver pelos olhos de outros com os parâmetros de outros e, por isso, quando chega a noite a minha mente tomba para o vazio. Aguentei durante a semana toda e já não posso reconhecer o reflexo do meu próprio eu, estranha demais para o que achava que sabia sobre mim. Se chorar o suficiente talvez lave a sujeira que o mundo fez com o meu interior. Talvez torne tudo puro outra vez, talvez consiga só mais uma vez largar as correntes de julgamentos para desfrutar o meu ser cheio de autenticidade perdida e esquecida. Eles dizem que devo estar em guerra comigo própria, mas eu só quero paz, eu quero fazer as pazes com a voz da vergonha que surge em todos os momentos. A voz da vergonha é o alarme que impede a visão do presente, a voz da vergonha faz acelerar o coração e causa calafrios, por vezes sento e peço para ela ir embora. Ela não ouve, ela é fiel às suas vontades individuais. Deveria fazer o mesmo, contudo, soa como um apito impelidor de pensamentos desnecessários. Eu sou a sua presa preferida, um prato cheio de traumas e paranoias criadas por ela.

As minhas forças estão gastas, desvanecem como se nunca tivessem existido. Todos os dias é um pouco do mesmo, a minha consciência derrete em sofrimento à espera dos primeiros socorros. Mas a verdade é que não sei estar comigo, a dimensão da autocritica roubou as chamas da minha personalidade. Ensinou-me a ser má. As armaduras já não funcionam. Os muros do meu coração guardam buracos denunciando o que eu sei que não fui. Passei o tempo, mas não vivi o momento.

Giovanna Querumbim