Movimentos em cadeia

Movimentos em cadeia

Juro que nunca vou entender. Não sou capaz. F*cking people.

No início da semana, um afroamericano foi estrangulado durante sete minutos, por um polícia. George Loyd não estava a oferecer resistência. Em vez disso, estava a implorar para que o deixassem respirar. Este caso foi filmado e publicado em todas as redes sociais. No dia seguinte, uma serie de manifestações começou na cidade onde isto ocorreu – Minneapolis. E, consequentemente, começou-se a ver protestos em outros estados americanos.

O que muita gente não compreende é que o que está a acontecer em Minneapolis não é apenas sobre a morte deste cidadão americano. Este caso foi apenas o que fez com que tudo explodisse. Por isso, aqui vai um bocado de contexto:

Vários foram os casos de violência e negligência contra este grupo racial, mas vou agora referir o que aconteceu em fevereiro. Um afroamericano, Ahmaud Arbery, estava a fazer jogging quando foi assassinado por dois homens, pai e filho. O motivo? Confundiram-no com outro afroamericano que tinha sido visto a espreitar uma propriedade em construção naquela zona. Segundo estas duas pessoas, eles queriam prender Ahmaud e levá-lo para a esquadra, mas as coisas correram mal e mataram-no. As coisas correram mal. Um acidente, sabem…

Outro pormenor importante que quero referir sobre este caso é que, mesmo que o Ahmaud  fosse o tal rapaz que andava a espreitar a propriedade, não havia razões, perante a lei, para o penderem. Nem se estes fossem policias, quanto mais cíveis. – Este caso também foi filmado. O momento da morte, a tiro, de Ahmaud Arbery foi filmado. E sabem quanto tempo demorou para que os suspeitos, capturados em câmara, fossem detidos? 74 dias. Volto a repetir. Os assassinos foram detidos após 74 dias da publicação do vídeo da morte de Ahmaud Arbery. Demorou mais de dois meses.

Agora, há uns quatro, cinco dias, uma mulher que estava a maltratar o seu cão foi capturada em vídeo. A pessoa que a filmou, estava a fazê-lo para ter provas dos maus tratos. Esta, que não queria ser filmada, pegou no telemóvel e disse ao homem que a estava a gravar que se ele não parasse, ia ligar à polícia e dizer que um afroamericano a estava a ameaçar. Que a queria atacar. Sabem o que isto significa? Que ela tinha noção da animosidade que existe entre a força policial e a comunidade negra americana. Que, se a polícia ali chegasse, o rapaz que estava a gravar iria ser punido de imediato. Tinha uma noção clara da desvantagem que a cor daquele rapaz lhe trazia e o privilégio que a sua lhe dava.

E assim, temos, num curto espaço de tempo, vários casos de puro racismo e indiferença em relação à justiça que um grupo merece. E aliás, capturado em vídeo. E nada mudou. Pela primeira vez, todos estes casos foram filmados. As incongruências entre os relatórios policiais e o que realmente acontecia (o que foi gravado) foram expostas. E, mesmo assim, nada aconteceu. Nada mudou.

Então, temos um grupo que está a manifestar-se há anos. Um grupo que, em vez de receber apoios, tenta ser calado com movimentos criados para o diminuir (all lives matter, cof cof). E antes de todos me odiarem, quero só explicar uma coisa. O movimento black lives matter apareceu para dizer que as vidas dos afroamericanos também importam. Ninguém está a dizer que as outras vidas não interessam. Apenas que a indiferença que existe em relação ao valor da vida dos afroamericanos e o pensamento de associar “perigo” a alguém preto, é um problema que tem de ser resolvido.

Mas, como estava a dizer, anos a manifestarem-se, e nada aconteceu. Parecia que nenhuma prova era o suficiente. Tudo era refletido. E agora, com provas físicas, inegáveis, nada estava a mudar. Os polícias foram despedidos e não presos. A justiça continuava a não ser feita.

Tudo isto escalou. Escalou e explodiu com o que está a acontecer em Minneapolis. Pessoas que se sentiam frustradas, ignoradas, ostracizadas durante toda a sua vida, vieram para a rua gritar na tentativa de uma vez por todas serem ouvidas. E, como acontece sempre, meia dúzia de oportunistas arruinaram um movimento, mudando a narrativa de manifestação para tumultos. A violência policial e a apatia do governo levaram à violência da população que agora está a resultar em violência governamental. O povo não sente, com razão, que a polícia está lá para os proteger. Por isso, toda a gente se está a antagonizar. E depois aparecem-me gajos, como aquele banana de arco e flexa, a ameaçar atirar flechadas aos manifestantes. Como é óbvio, foi atacado por estes e a sua reação foi relatar fox news e dizer que foi brutalmente agredido sem razão. Sem NINGUÉM se esforçar minimamente para verificar a situação. – Graças aos santos, as emissoras portuguesas que vi, deram-se a esse trabalho.

Quero que entendam que não estou a defender os atos violentos dos manifestantes. Acho horrível o facto de lojas e pequenos negócios estarem a ser destruídos como danos colaterais. A verdade é que responder a violência com mais violência só faz com que todos percamos. Isto só vai ter um fim se alguém com poder governamental aparecer e por o pé no chão, tentar resolver o problema. A solução não é agredir os manifestantes. (Muitos deles só estão a exercer o seu direito – que está na “first emendment”, como eles gostam de dizer –, sem destruir nada.) Não é a impedir que as pessoas filmem as manifestações, correndo o risco de serem presas, como aconteceu com alguns repórteres. Se o povo está desesperado por justiça, é obrigação do governo resolver o problema e não partir para a agressão. O quão triste é o povo ficar dependente de um grupo de hackers para os proteger? Para lhes trazer justiça, já que o governo e a polícia não o fazem?

Tentem pôr-se no lugar daquelas pessoas por dois segundos. Tentem imaginar fazer parte de um grupo que é visto por muitos como um perigo, como inferiores a ser humanos. Preto não significa perigo. Preto não pode significar passe livre para maus tratos. Preto, branco, amarelo, encarnado, castanho. Todas merecem viver. Por isso sim, all lives matter, mas neste momento, são as black lives que precisam de ajuda. Por isso vamos deixar de fazer disto uma discussão sobre nós e as nossas dificuldades e passar a conversar sobre soluções para quem agora precisa.

Inês Chantre