Super-coração

Super-coração

Num tempo em que a separação faz a união, em que muitos estão a dar a sua vida pela vida dos outros, em que o isolamento social está implementado, é fulcral destacar uma palavra que muitas vezes é o que nos faz avançar e que mais ainda nos faz recuar: coração.

Desde pequena que me foi incutida esta vontade de ajudar tudo e todos, de querer sempre estar na fila da frente, de estender a mão a quem a procurasse e principalmente a quem não o fazia. Sempre procurei olhar nos olhos, espelhos da alma e da realidade, e dar tudo de mim para ajudar aqueles a quem as lágrimas ultimavam cair a cada segundo do dia. Ter um coração, no seu sentido literal, significa existir, ser, viver. Mas de que nos serve existir, ser e viver se não partilharmos essa vivência? Este isolamento social fez-me reconsiderar coisas que anteriormente tinha por garantidas. Mas, mais que isso, fez-me perceber que na porta ao lado da minha estão pessoas a viver o mesmo que eu e que apesar de não poder vê-las, sei que lá estão e têm o coração tão apertado quanto o meu. Partilhar vivências não implica necessariamente estar fisicamente ao lado de alguém a viver o mesmo, mas ser ligado pelo mesmo sentimento.

“I know you feel like you’re all alone/ But I feel it too/ And when you call me and you’re trembling/ You know I feel it too” – The Academic. “I feel it too”. Estas frases dizem-me mais do que alguma vez conseguirei explicar. Resumem na perfeição o que anteriormente referi, a ideia de partilhar a nossa existência.

Não é fácil assumir que estamos sozinhos, com problemas, que precisamos de ajuda e que algo não está certo. Não é fácil pensar que somos ou fazemos algo de errado e que não conseguimos perceber o que é (ou percebemos e não conseguimos ver uma saída vitoriosa da situação). Não é fácil, nunca será, mas é possível. É possível ver para além das muralhas que construímos à nossa volta, dos olhos enevoados pelas lágrimas que não sabemos quando podem acabar, das sombras e das vozes que insistem ecoar na nossa cabeça a dizer que não somos capazes, que somos o erro. É possível sorrir, acordar todos os dias e pensar “um novo dia, uma nova oportunidade de ser feliz”, e ser efetivamente feliz. É possível, mas não é fácil. É preciso ser uma força que vem de dentro, uma vontade superior à dor e ao conformismo, um “abanão” de realidade, ou alguém com um super coração que nos estenda a mão.

Um super coração também já foi um coração magoado, destruído pela dureza da vida, espancado, golpeado e abanado pelas tristezas e desilusões. Mas é um coração que, apesar disso, teve força de se levantar de novo, preparar mais uma batalha, ter o foco de ser o vencedor, de sair por cima em todas as situações. Ser feliz é uma opção e a vida nem sempre é fácil. Muitas vezes, somos postos à prova (como o nosso amigo Covid-19). Provas essas que no início nos parecem completamente impossíveis, mas que dependem de nós, do nosso coração e da nossa vontade de superar. Devemos olhar para os desafios como algo construtivo, algo que no fim nos vai trazer mais felicidade que tristeza e, na pior das hipóteses, um ensinamento.

Uma vez li que “nós não vivemos só uma vez. Nós morremos só uma vez, mas vivemos todos os dias”. Decidi fazer dessa frase algo que me motiva todos os dias. Se a cada dia temos a oportunidade de viver, que o façamos da melhor maneira que podemos, com um sorriso, com vontade de ser melhor, de ser feliz, de superar. Dias maus existem e ainda bem! Que sejam eles o nosso impulso, o nosso choque com a realidade, a nossa maneira de ver e apreciar os dias bons e as coisas boas da vida.

Ser a melhor versão de nós mesmos, para depois podermos ser um novo super coração pronto para ajudar os outros que ainda estão perdidos nesta montanha russa.

Francisca Graça