Cicatrizes

Cicatrizes

Sempre senti que levava comigo um pedaço de cada lugar ao mesmo tempo que deixava a minha marca, assim como acontece com as cicatrizes. Elas são marcas que levamos para a vida e sempre que olhamos para elas conseguimos recordar o momento que representam, tanto positivo como negativo. Muitas vezes, designo-as de “cicatrizes mentais”  que, neste caso, são marcas que apenas só o nosso verdadeiro “eu” consegue ver e entender.

Considero-me uma pessoa com todas, e mais algumas, emoções à flor da pele e acho que isso consegue explicar o porquê de sentir tudo de uma forma tão intensa. Às vezes parece que estou numa luta interior comigo mesmo, mas isso é normal, certo? A partir do momento em que deixo a melancolia apoderar-se de mim, acabo por recordar as minhas “cicatrizes mentais” quase como se fosse a primeira vez. Porém, há umas que não são meras cicatrizes, mas sim feridas que ainda derramam parte de mim… Muitas vezes criando uma autêntica cena de crime para quem está de fora e não entende o que aconteceu ou o que ainda está a acontecer. Ainda assim, aprendi que precisava de sangrar para crescer.

Muito se diz acerca da vida de alguém ser perfeita para tentar invalidar os próprios problemas ou até mesmo os problemas alheios. Mas desde quando é que isso cura uma cicatriz? Fugir nunca foi, nem nunca será, a solução para os problemas e, por mais que nos custe, temos de aceitar algumas coisas como são porque muitas delas vão e não voltam. 

“Talvez ainda não encontraste o sítio certo ou a pessoa certa”, dizem eles. Mas, muitas vezes, sinto que deve haver algo de errado comigo. Às vezes o problema não é a pessoa, mas sim o lugar. Outras vezes não é o lugar, mas sim a pessoa. Não acreditava que seria possível alguém não se identificar com muitos lugares ou com muitas pessoas até me conhecer a mim próprio. Nunca houve uma única situação em que me sentisse confortável o suficiente para chamar e designar algo de porto seguro – “casa”. 

Muitas vezes, deparo-me no meu quarto, um dos poucos locais onde me consigo identificar, uma vez que reflete o meu estado mental. Nele observo, a partir de um simples ecrã, a vida das pessoas que conheço, maioritariamente jovens da mesma faixa etária que eu. “Porque é que é tão difícil ser como eles?”, ”Será que sou aquela peça do puzzle que não encaixa?”, “Porque é que é tão difícil gostar das mesmas coisas que eles?”, “Será que algum dia vou ser suficiente para alguém?”, “Porque é que não me convidaram?”, “Será que gostam verdadeiramente de mim?”.

Estas são as principais perguntas que me tiram o sono e que ao mesmo tempo ressuscitam cicatrizes que eu pensava que estavam mortas e enterradas, mas que na verdade apenas estavam à espera para renascer das cinzas como uma Phoenix. Afinal, isso fez com que eu me encarasse como o “tipo de pessoa” que a sociedade à minha volta não idealizou que eu me tornaria, e que, por muito tempo, me fez questionar se a culpa era totalmente minha. Até que percebi que isso era o que eles queriam que eu pensasse. Acho que nenhuma pessoa devia martirizar-se por simplesmente ser ela própria… Quer dizer, não podemos ser todos iguais e ainda bem que não o somos!

Enfim, eu não os percebo e eles não me percebem. E está tudo bem, porque todos brilhamos de formas e maneiras diferentes ao mesmo tempo que carregamos as nossas cicatrizes.

Ivo Pereira