Viagem no tempo percorrendo os quase cem anos de existência dos “Alvinegros Transmontanos”, dos primeiros pontapés na bola à ambição atual de regressar aos campeonatos profissionais.
A longa caminhada do clube começa, para cá do Marão, no dia 20 de Maio de 1920, data de fundação do Sport Clube Vila Real. Um clube que tem o centenário à porta e que possui uma história recheada de momentos que merecem ser contados. Desde a sua fundação, os seus primeiros passos, a relação com os vila-realenses, os tempos áureos e “O Bila” dos tempos de hoje, tudo isto ao longo destas páginas.
Fundação
O SCVR foi fundado por um conjunto de pessoas, nomeadamente: o Sr. Augusto Aires Pereira, o Dr. Augusto Rua, o Eng.º Paulino Celestino da Silva, o Sr. Ernesto Jaime Silva, Sr. Filipe Correia de Mesquita Borges Jr., o Sr. Aureliano Barrigas, Sr. Luís Tabuada, o Sr. Frederico Rocha Peixoto e o Sr. José Augusto Tabuada. Eram todos de Vila Real e na sua maioria possuíam formação académica. Para além disso, tinham a possibilidade de viajar para o estrangeiro, graças a essa capacidade, eram pessoas com mentalidades mais “arejadas”, dadas as suas vivências e assim começaram a contactar com o desporto, mais concretamente com o futebol. De maneira que entre 1914 e 1920 são criadas várias coletividades, entre elas: o Sport Clube Vila-realense, o Atleta SC, o Pé de Ferro SC, mas nenhuma delas iria ter a capacidade de afirmação que viria a ter o Sport Clube Vila Real, ficando assim pelo caminho e sendo integradas nele.
Nesta altura de crescimento, o clube contava com várias modalidades: futebol, basquetebol, hóquei, xadrez e várias modalidades ligadas ao atletismo. Com o evoluir dos tempos alteraram-se as variantes e “atualmente, para além do futebol, temos uma equipa de bilhar, uma secção de vólei e outra de atletismo, mas estamos sempre atentos para alargar a prática desportiva no clube nas suas diversas modalidades” palavras de Artur Ribeiro, atual presidente do Sport Clube Vila Real.
Emblema e equipamentos: alterações e simbologia
As cores oficiais do SC Vila Real sempre foram o branco e preto. No início a camisola era metade branca e metade preta, divididas por uma linha vertical no centro da camisola e os calções eram brancos. O primeiro emblema foi desenhado por um elemento da direção que fez parte do grupo de fundadores do clube. Era constituído por uma cruz de cristo e esta continha o alleu (espada), que sempre foi um símbolo de Vila Real, e as iniciais da equipa (SCVR) ao centro.
Em 1939 foi alterada a heráldica do clube ficando então com uma parte às riscas verticais pretas e brancas e na outra parte está presente o alleu. Neste mesmo ano alteram-se também os equipamentos de maneira a seguirem os moldes do novo emblema. Passa a usar-se a vestimenta caracterizada pelas listas verticais pretas e brancas acompanhada dos calções pretos. Todas estas mudanças foram uma forma de homenagem em memória do Atleta Sport Clube, visto que foi o clube de maior expressão que se fundiu no SCVR e que vestia, exatamente, às riscas pretas e brancas na vertical. Este aspeto visual do clube é o que vigora atualmente, tanto a nível do emblema como dos equipamentos.
Primeiros anos dos “Alvinegros” e a relação com os vila-realenses
O Sport Clube Vila Real, tal como todos os clubes que se formaram naquela época, era um lugar de grande convívio entre os adeptos, as famílias e os atletas, principalmente até aos anos 40, onde havia uma relação estreita e próxima entre todos os intervenientes do clube. Os jogos de futebol eram uma bela romaria que envolvia as famílias que iam todas juntas ver os jogos, tanto em casa como fora, e iam acompanhar e apoiar os clubes das suas terras. O futebol era o grande entretenimento das populações e Trás-os-Montes não era exceção. O Sr. Joaquim C. Barreira Gonçalves, investigador do Arquivo de Vila Real e conhecedor profundo da história do clube da cidade conta que, efetivamente, “nesta altura eram poucos os jogadores que mudavam de clube, pois permanecia um forte sentimento clubístico plenamente vivido pelos jogadores, constantemente próximos dos associados dos seus clubes”. Vivia-se assim o verdadeiro amor à camisola.
O presidente Artur Ribeiro considera que “atualmente é uma ligação boa, agradável, embora noutros tempos fosse mais intensa… A mudança do Campo do Calvário para o Complexo Desportivo do Monte da Forca teve um impacto negativo na população. No entanto, o apoio da população sente-se de maneira constante, principalmente quando há jogos de caráter mais especial, como os jogos deste ano para a Taça de Portugal em que recebemos o UD Oliveirense (2ª Liga) e o Desportivo das Aves (1ª Liga), nestes o apoio é mais numeroso e intenso, sem dúvida”.
A dia de hoje o Sport Clube Vila Real conta com, aproximadamente, 1600 sócios efetivos e pagantes, ainda assim o presidente do SCVR admite “queremos duplicar esse número até ao fim do mandato”.
Campo do Calvário: passado e presente
“É a casa do SC Vila Real desde o início” afirma de forma contundente o Sr. Joaquim Barreira Gonçalves. O clube construiu o campo de futebol na zona em que ainda se encontra atualmente, sendo inaugurado no já longínquo ano de 1922. Ao longo do tempo sofreu várias alterações, umas de forma natural e outras forçadas (ciclone em 1941 atingiu a cidade), mas em 1952-53 fez-se a remodelação que deixou o mítico Campo do Calvário com a fisionomia que dura até aos dias de hoje. Recentemente foi modernizado, colocou-se tapete sintético e renovou-se a bancada pintada com as cores do clube. Agora é a “casa” da formação do SCVR, sendo utilizada tanto para treinos como jogos dos diferentes escalões em atividade. Desde os petizes até aos juniores e passando pela equipa de futebol feminino (única do distrito), o SCVR conta com mais de 230 atletas.
Mudança de “casa”
Recentemente deu-se a mudança de estádio para os jogos do SC Vila Real, deixando o Campo do Calvário e instalando-se no Complexo Desportivo do Monte da Forca. Esta alteração não foi bem recebida entre os habitantes de Vila Real, segundo o Sr. Joaquim Barreira Gonçalves “a população acha que o clube se “desligou” um pouco da cidade e da relação com a comunidade e a relação esfriou ligeiramente”, uma opinião partilhada pelo presidente do clube que admite que “o clube saiu do centro da cidade, o Monte da Forca é mais distante e as pessoas não se sentem tão atraídas em ir até lá”.
Esta mudança deveu-se, principalmente, à falta de condições que o Campo do Calvário vinha apresentando ao nível de infraestruturas, tanto para os adeptos como para os jogadores, logo ambicionava-se mais por parte dos “alvinegros”. Assim, o presidente do clube transmontano confidenciou que a mudança “foi uma opção do Município pois iam construir, no Monte da Forca, uma cidade desportiva, mas ficou-se pelo campo de treinos e até agora é um projeto inacabado que não se concretizou”. Desta maneira, o inicialmente campo de treinos tornou-se o palco principal do Sport Clube Vila Real e a idealizada cidade desportiva só existe na maquete exposta no Complexo Desportivo do Monte da Forca.
Palmarés e factos relevantes
Ao longo da sua vasta existência o SCVR foi constituindo um rico palmarés, do qual constam os principais troféus no Complexo Desportivo do Monte da Forca. É de destacar que a Associação de Futebol de Vila Real (AFVR) foi criada em 1925 e desde a época 1924/25 até à temporada 1951/52 os “alvinegros” foram sempre (!) campeões de Trás-os-Montes. O clube foi finalista no Campeonato Nacional da 2ª Divisão em 1943/44, finalista do Campeonato Nacional da 3ª Divisão em 56/57 e foi Campeão Nacional da 3ª Divisão em 52/53 e em 2000/01. O “Bila” conta também neste século com títulos na Divisão de Honra e mais recentemente com a última presença no Campeonato de Portugal (ex-CPP) a acontecer em 15/16.
A 2ª Grande Guerra originou uma debandada de populações dos países de Leste, o que fez com que chegasse a Portugal, na época de 40/41, o primeiro treinador “a sério” ao Sport Clube Vila Real, o húngaro Lippo Hertzka. Treinador que trazia na bagagem passagens pelo “gigante espanhol” Real Madrid, pelo SL Benfica e posteriormente à sua estadia em Trás-os-Montes foi treinar outro grande do futebol português, o FC Porto. Todos estes factos e títulos comprovam que o SC Vila Real não é só histórico pela sua longa existência.
Futebol em Trás-os-Montes: constrangimentos, soluções e objetivos
Ser um clube de futebol em terras de Trás-os-Montes não é fácil, quem o diz é o presidente do SC Vila Real que considera que “os apoios e as publicidades/patrocinadores são poucos e ao nível de recrutamento de jogadores também sentimos algumas dificuldades”. Para além disso, queixa-se também da mentalidade que predomina no nosso país “pois as pessoas preferem ajudar e apoiar os clubes grandes de Portugal em vez de o fazer com o clube que tem à porta de casa, o clube da terra”, apelando a um espírito desportivo que se tem perdido cada vez mais.
O presidente dos SCVR “abriu o jogo” também para falar da solução encontrada para combater as dificuldades ao nível do recrutamento de jogadores: a parceria com a Footconect, empresa portuguesa de agenciamento de jogadores e treinadores. Afirma que “é uma parceria iniciada há 3 anos com o fim de melhorar o plantel para poder alcançar os nossos objetivos”. Os jogadores colocados por esta empresa assinam, normalmente, contratos com a duração de dois anos para permitir que os jogadores possam jogar, mostrar-se e dar o salto, com isto o clube também sai beneficiado, segundo o presidente dos “alvinegros”. Há os exemplos do Bukia, do Hackman, este último que está neste momento na 1ª Liga a representar o Portimonense, que foram jogadores que passaram pelo Sport Clube Vila Real e desta forma a parceria com a Footconect acaba por dar também algum nome e reconhecimento ao SCVR. Artur Ribeiro referiu também que para além da colocação de jogadores, a empresa ajuda o clube financeiramente e em troca acaba por ter mais valias aquando das transferências de jogadores. Atualmente o clube conta com um brasileiro e vários nigerianos (agenciados pela Footconect), a comunicação com eles é dificultada já que é feita em inglês, mas a barreira da língua vai dissipando-se com o bem receber transmontano e os jogadores tornam-se quase membros da família, tal é o carinho que recebem na cidade.
Outro ponto digno de realce é o aproveitamento da existência da universidade em Vila Real. “Ao nível de jogadores, uma vez que temos vários alunos nos nossos quadros e quando chega um aluno referenciado à UTAD nós somos logo contactados” explicou o presidente do clube. Esta parceria com a universidade permite também a utilização do ginásio e a maioria dos treinadores das camadas jovens são formados na UTAD.
Artur Ribeiro não deixou de sublinhar também os objetivos desportivos em mente, o principal é subir ao Campeonato de Portugal (CP). De seguida deixou no ar o grande sonho do clube “a longo prazo queremos alcançar os campeonatos profissionais, nomeadamente a 2ª Divisão, acho que temos todas as condições para fazer essa caminhada”.
97 anos em 3 palavras
O Sr. Joaquim Barreira Gonçalves “fintou” as regras do desafio e escolheu as palavras: Engenho e Arte, Amor à camisola e Paixão e Glória (aproveitando os títulos dos livros de que é autor, que relatam os anos de glória do SCVR. O terceiro volume está a ser escrito ainda e sairá em 2020, no ano do centenário.)
A dias de hoje
A nível desportivo, nesta temporada já findada (17/18), o SC Vila Real começou com o pé direito vencendo a Supertaça da AF Vila Real. No Campeonato Distrital da AFVR finalizou o torneio na 3ª posição da tabela, a formação de Nuno Pinto ainda esteve na luta até às últimas jornadas, mas acabou por ficar pelo caminho, falhando assim um dos objetivos da época. Os alvinegros disputaram 28 partidas, nas quais somaram 21 vitórias, 6 empates e uma única derrota, amealhando um total de 69 pontos. No entanto, este registo não foi suficiente pois foi o Chaves B a equipa que conseguiu o feito de ser promovida ao Campeonato de Portugal. Quanto à Taça da AFVR, o SC Vila Real vai disputar a final com o Abambres SC no próximo dia 27 de Maio. Na Taça de Portugal, o SC Vila Real vestiu-se de “tomba-gigantes” e eliminou o UD Oliveirense da 2ª Liga, mas na 3ª Eliminatória foi empurrado para fora da competição pelo Desportivo das Aves (1ª Liga), a equipa que acabou por vencer a taça.
Foi criada recentemente uma Comissão Executiva, liderada pelo historiador Joaquim Barreira Gonçalves, encarregue de preparar a comemoração do centenário do clube (1920-2020). Neste momento esta Comissão já pôs “mãos à obra” e está ativa com uma série de iniciativas pela cidade para comemorar de maneira digna os 100 anos do SC Vila Real, um marco para poucos clubes em Portugal ainda.
Nestes últimos anos é notório que o clube está a adaptar-se aos novos tempos e, consequentemente, às novas tecnologias e está a caminhar nessa direção com passos seguros, estando agora em plena remodelação do seu site. Lá estarão as principais informações e atualizações sobre os “alvinegros transmontanos” e contará também com uma loja online, onde se poderá adquirir todo tipo de produtos oficiais e alusivos ao SCVR. Para além disto conta com uma forte presença nas redes sociais, principalmente no Facebook e Instagram, de forma bastante ativa.
Seguindo esta linha, a de um clube que segue as novas tendências e que está atento ao evoluir do tempo, o SCVR conta nos seus quadros com uma equipa de futebol feminino (ainda única no distrito), um setor que tem crescido a olhos vistos no nosso país nestes últimos anos. Para além disso tem usado a “bóia de salvamento” de várias equipas neste futebol dos tempos modernos, à base de parcerias com empresas de agenciamento de jogadores, neste caso com a Footconect. O Sport Clube Vila Real carrega uma grande história nas suas costas, mas tem os olhos bem postos no futuro.
Xavier Costa
Fotografias: O Torgador (Patrícia Gonçalves)