O leão não é de ferro

Não é a primeira vez, nem será a última, que se afirma que o futebol está a morrer. O desporto rei, que deveria entreter o público, é corrompido por valores individualistas de quem está no poder, o que já não vem de agora.

O Sporting Club de Portugal passa por uma crise nunca antes vista em qualquer outro clube português: presidente e adeptos viram-se contra os jogadores, ameaças de suspensões, agressões, corrupção e demissões são alguns dos problemas que o clube dos leões tem entre mãos. Mas recuemos um mês atrás, quando o Sporting abandonou a Liga Europa depois de ter perdido contra o Atlético de Madrid, nos quartos de final.

Bruno de Carvalho escreve um comunicado na sua página de Facebook a criticar individualmente a prestação de cada um dos atletas que jogaram, acusando-os de serem uns “Meninos Mimados”. O plantel da equipa de Alvalade reagiu com um texto de resposta às duras críticas do Presidente, que declara suspender os jogadores que concordaram e assinaram o texto (promessa que não foi cumprida). A partir desse momento, a relação entre Bruno de Carvalho e a equipa (e consequentemente com Jorge Jesus) ficou frágil e apenas a conquista da Liga (ou pelo menos do 2.º lugar) poderia satisfazer o Presidente e colocar o Sporting numa boa situação financeira, com a entrada na Champions League.

O Futebol Clube do Porto sagra-se campeão com o empate do clássico Sporting-Benfica. O clube de Alvalade apenas pode lutar pela 2.ª posição, a qual acaba por deixar escapar no último jogo do campeonato, contra o Marítimo. E foi a partir daí que os telhados de vidro dos leões começam a quebrar-se: na segunda-feira especula-se que Bruno de Carvalho suspende Jorge Jesus (revelou-se mentira); na terça-feira, invasão à Academia do Sporting em Alcochete por 50 adeptos encarapuçados que agrediram os jogadores e a equipa técnica; na quarta-feira, alegadas suspeitas de corrupção no âmbito da operação Cashball; na quinta-feira, demissões de cargos na Assembleia Geral, no Conselho Fiscal, Disciplinar e Diretivo; na sexta-feira, informações sobre a invasão de Alcochete apontam como responsável o Presidente; no sábado, Bruno de Carvalho dá conferência de imprensa em que anuncia não ir ao Jamor e afirma que as agressões foram “involuntariamente” provocadas pelos jogadores; no domingo, o Desportivo das Aves ganha a Taça de Portugal.

Uma semana impiedosa para o clube leonino. Um desfecho imprevisível da época que termina com os leões feridos e divididos, com um Sporting que batalhou muito, mas que não viu reconhecido o seu esforço, com um clube que quando mais precisava de incentivo e motivação se viu desprezado e admoestado pelo seu Presidente e por alguns adeptos que não sabem viver o espírito do futebol. Numa semana em que viram ser postos em causa o seu profissionalismo, o seu trabalho, a sua dignidade e a sua integridade, os atletas não tinham a capacidade nem física nem psicológica para disputar a final da Taça (não retirando o mérito ao Desportivo das Aves que lutou e a conquistou legitimamente), mas não baixaram os braços, comprometeram-se e batalharam até ao fim, não quiseram desiludir os seus adeptos e “fizeram das tripas coração” para um último esforço, pelo amor à camisola e pelas cores que vestem.

Não saíram vitoriosos. As lágrimas de Patrício, o desalento de Jorge Jesus agarrado a Marcelo Rebelo de Sousa e o desânimo de um clube inteiro que ainda não vê a hora do pesadelo acabar demostram que antes de serem jogadores, treinadores ou adeptos são pessoas de carne e osso, que carregam às costas o peso de serem um dos grandes de Portugal e o sentimento de dever não cumprido (não porque dependesse deles); não é uma questão de se vitimizarem e que queiram que sintam pena deles, mas porque o fardo torna-se demasiado pesado e ninguém é de ferro.

Mas há males que vêm por bem: ao longo desta semana, o que valeu e que mostrou que ainda à esperança para o futebol foi a solidariedade e o apoio daqueles que são de clubes diferentes, mas que no momento em que não deve haver clubes nem cores, colocaram-se ao lado dos sportinguistas e mostraram que o futebol não é tudo e que não vale tudo para ganhar.

Daniela Tomás