Há quem diga que grandes desafios só aparecem a quem os consegue superar, eu cada vez mais tenho dúvidas do quão isso será verdade… A cada refuta que faço, a cada análise pormenorizada sobre aquilo que está ao meu redor, a cada ano que passa, encontro mais fugas e menos soluções. É difícil ser-se génio numa Era onde todos contestam tudo, onde a mais pequena afirmação é formatada a um esplendor ofensivo, e quem não afirma, é posto na caixa dos sem conhecimento para opinar.
Até este momento provavelmente ainda não perceberam o tema do texto, mas não tem mal, eu próprio não sei sobre o que estou a escrever, mas há algo que eu conheci neste último ano, e essa mística coisa que eu conheci foi nada mais, nada menos, do que eu próprio. Num ano em que andamos na dúvida sobre tudo, eu preocupei-me em tirar as dúvidas que tinha sobre mim próprio. E foi incrível o que descobri.
Apercebi-me o quanto eu preciso de pessoas ao meu redor, não preciso de ter necessariamente afinidade com elas, e podem até estar devotas e enfiadas na sua própria vida, mas vê-las, faz me lembrar que estou vivo. Redescobri também, o quão a música é importante na minha vida. Ai se não fosse a música. Eu enlouquecia. Constatei que amizades demoram anos a ser construídas, que relações, não precisam propriamente de as ter, e também que eu sou melhor a falar com o papel, do que com pessoas. Pessoas são chatas, eu digo alguma coisa e lá vêm elas contrariar que não é assim, que é isto e aquilo, sendo muito sincero, não quero saber, fiquem com a vossa opinião, metam-na num barquinho e mandem-na ao mar, pode ser que vá ter com alguém que concorde convosco. O papel é mais pragmático, receta o que eu tenho a dizer sem me contrapor e pronto fica por aí.
E de gira-discos já vos falei? Se não vou falar agora, se já, azar. Vou voltar a falar. Comprei um, mas como só tenho um LP do Zeca, ouço a mesma coisa todos os dias. Tenho uma coisa relativamente estranha, é que não me canso de ouvir algo quando gosto da melodia ou do recital poético debitado. Soa um bocado melancólico, não? Mas é o que há. Não é por ter comprado um gira-discos que viajei no tempo para 1930, continuo a ter Youtube e Spotify se quiser ouvir outras coisas, mas pelo menos uma vez por dia tenho de o ligar, quanto mais não seja para apreciar o leve ruído imanado por este majestoso dispositivo que alguém se lembrou de inventar no século passado.
Mas não foi propriamente este tema que eu queria abordar, acho que ao longo do processo criativo que tento desenvolver, descobri qual era. Ou se calhar era. Acho que era esse o objetivo deste texto, fazer ver que não precisamos de ser concretos em tudo o que fazemos, o misticismo é necessário, a dúvida deve ser imperial, a certeza torna-nos demasiados sérios. Foi a mais bela aptidão que aprimorei neste último ano, a capacidade de ignorar. Discutir, seja o que for, cansa-me, por isso quando tentam discutir comigo, simplesmente deixo-os a falar sozinhos.
A fénix voou durante longos 20 anos, mas finalmente acho que assentou no âmago das cinzas que a cremaram, e renasceu com uma nova perspetiva daquilo que a rodeia e daquilo que quer. Todos nós possuímos uma fénix, simplesmente umas renascem demasiado tarde e outras, rapidamente sabem quando têm de se adaptar.
Filipe Reis