Babel — Uma história arcana

Babel — Uma história arcana

Para começar, acredito mesmo que nunca li nenhum outro livro que me fizesse abrir os olhos de tal maneira, que me fizesse perguntar a mim própria que partes eram reais ou não (além da magia, claro), e ir realmente pesquisar se os acontecimentos que estavam descritos durante alguns períodos de tempo apresentados aconteceram ao longo da história ou não. E sim, aconteceram. E o que não aconteceu com o mesmo nome específico, ou com os personagens específicos, era como uma metáfora ou indicação para algo real.

São tantos pensamentos que eu ainda tenho acerca do livro, (e olhem que já o li há algum tempo), que espero não transformar este texto numa review literária, nem me perder a falar de detalhes que não me saíram da cabeça, ou a tentar convencer alguém a lê-lo para ter com quem discutir acerca dele, mas bem, é a secção de opinião certo?

Este livro tem tantas camadas que poderiam dar abertura a mais folhas escritas só acerca deles, que é difícil falar e não perder o fio à meada ao saltar de assunto em assunto.

Mas vamos lá, esta fantasia (mais real do que imaginativa) conta a história de Robin e os seus amigos estudantes de tradução em Oxford. À primeira vista parece algo totalmente banal para surgir um enredo em volta, se não fosse o facto de tanto ele como dois dos seus amigos serem estrangeiros (da China, da Índia e do Haiti). Mesmo assim, ainda parece demasiado banal para algo digno de uma narrativa acontecer, se não fosse a Inglaterra no século XIX. Se não fossem as guerras em que o Império Britânico estava nesse século. Se não fossem os exatos anos da Guerra do Ópio e a expansão do seu território para a Índia. E se a outra amiga capaz de estudar com ele não fosse uma inglesa branca filha de um homem de poder.

Este livro, sendo eu uma jovem branca europeia, fez-me tomar consciência, especialmente para o tema do racismo, no aspeto de que nós, brancos europeus, nos sentimos mal ao descobrirmos todas as torturas e discriminações ao longo da história, mas no sentido de precisarmos de um certo conforto acerca disso. Existe uma parte no livro em que Letty, a inglesa, vê com os seus próprios olhos e ouve os seus amigos relatarem as formas em como se sentem discriminados e apagados, formas que ela nunca daria conta, mesmo estando perto deles, e em como chora ao aperceber-se isso, como se a vítima fosse ela. E esse acontecimento deixou-me mesmo a pensar “Será que eu já presenciei alguma situação semelhante e realmente não dei por isso?”. E talvez seja uma linha de raciocínio bastante “branca”, mas foi mesmo algo que me impactou.

Além disso, o livro é desenvolvido pelo meio da utilização de diferentes línguas, que nos mostra que é bastante difícil traduzir algo, e em como muita essência da escrita se perde, pelo facto de não existirem termos ou expressões iguais de língua para língua, (outro aspeto em que eu acho que mal teria penrado para pensar e dar importância ao assunto) e também em como línguas asiáticas são descritas com um alto nível de importância, enquanto os seus nativos são vistos como inferiores. E em como na altura em que a história do livro acontece os estudos orientais são vistos como prestigiados, apenas para o império britânico ter vantagem na colonização das suas terras, e ter bons alunos intérpretes para o auxiliar.

O livro também foi escrito de uma maneira incrível em relação à dificuldade de pertença por parte de um estrangeiro, e ao seu próprio dilema acerca de que país tem o orgulho de o chamar de seu, e mesmo em como se pode esquecer parcialmente da sua língua natal, apenas para se tentar encaixar. Novamente, sendo eu própria portuguesa e nunca ter emigrado, é outro assunto em que mal me passaria pela cabeça, e que me mostrou uma outra perspetiva de vida, muitas vezes, até de pessoas mais próximas do que se pensa.

Para terminar, outro aspeto importante foi a necessidade de violência, para um grupo revolucionário se fazer ouvir, junto com a morte, para apenas conseguir o feito de provocar um colapso no império, destruindo a sua fonte de poder, permanecendo assim enfraquecido e incapaz de manter o seu domínio global, e não tendo sido uma completa vitória. Todo o sacrifício feito mostra em como a resistência consegue abalar estruturas de poder, mesmo sem o completo triunfo, e em como os grupos silenciados se podem fazer ouvir.

Iara Pinto