Foi apenas um ano de ausência, mas pareceu muito mais. O quarto lugar do Sporting na Primeira Liga de 2022/23 fez com que 2023/24 fosse uma temporada sem Liga dos Campeões, sem os milhões e as ilusões da prova milionária. Os corações, porém, voltavam a encher-se de fé esta terça-feira.
O Sporting regressava à Liga dos Campeões depois de ter sido campeão nacional pela segunda vez em quatro anos e tinha desde logo o desafio de um novo formato que obriga a mais jogos, mais deslocações e mais desgaste. Os leões recebiam o Lille na primeira jornada, antes de desafios como a visita ao Manchester City FC ou a receção ao Arsenal FC, e Rúben Amorim beneficiava de um momento positivo pautado pelas cinco vitórias em cinco jornadas do Campeonato e a liderança isolada da classificação.
Rúben Amorim não podia contar com Jeremiah St. Juste, Vladan Kovačeviće, Eduardo Quaresma, todos lesionados, e não surpreendia nas opções para o onze inicial: Zeno Debast surgia no trio de centrais, Geovany Quenda e Geny Catamo eram os donos dos corredores e Morten Hjulmand e Hidemasa Morita faziam dupla no meio-campo. Do outro lado, num Lille que leva duas vitórias e duas derrotas em quatro jornadas da Ligue 1, Bruno Génésio apostava em Jonathan David como referência ofensiva, com Angel Gomes e Benjamin André no setor intermédio, deixando o português Tiago Santos no banco de suplentes.
Apesar de jogar fora de casa, num Estádio de Alvalade pelas costuras, o Lille apareceu a pressionar bastante alto, sobrepovoando o miolo com os seus quatro médios – Zhegrova e Sahraoui fechavam a defender – para retirar Hjulmand e Morita da construção leonina. Isto obrigou o Sporting a explorar várias vezes o passe vertical, quase sempre em busca de Gyokeres, para ultrapassar essa pressão. O sueco ia fazendo bem esse trabalho de pivot e triangulando com Pedro Gonçalves e Francisco Trincão.
Do outro lado, por sua vez, os “dogues” eram bem mais assertivos e pacientes com bola. A turma francesa ainda circulava pela defesa para chamar a pressão lusa, mas acelerava processos pelas alas e ia insistindo na sua asa direita, onde morava Zhegrova, o seu elemento mais atrevido no passe e drible. Isto permitiu ao Sporting controlar bem a largura e profundidade e focar-se mais no processo ofensivo, onde o Lille ia tentando atrasar processo com agressividade na recuperação e recurso à falta.
No quarto de hora inicial, nota apenas para uma contrariedade para os leões, com Gonçalo Inácio a sair lesionado e a ceder o seu lugar a Matheus Reis.
Ora, aproveitando a tal linha de pressão alta, que deixava espaço entre defesas e médios, e as triangulações entre avançados, o Sporting ia, a espaços, criando perigo. O primeiro sinal surgiu aos 28 minutos, quando Gyökeres desmarcou Pote na esquerda da área e Chevalier se superiorizou. Contudo, dez minutos depois, Matheus Reis ganhou uma bola no meio-campo contrário e soltou um balão para a área, onde Gyökeres estorvou e esperou pela assistência de Pedro Gonçalves para receber, rodar e rematar à meia-volta para abrir o marcador.
A máscara mostrava-se na Champions. A Festa fazia-se nas bancadas e os suspiros de alívio intensificam-se, especialmente quando, aos 40′, o ex-Boavista FC Angel Gomes viu o segundo amarelo e consequente vermelho, deixando o Lille reduzido a dez elementos.
Rúben Amorim voltou a mexer logo ao intervalo e tirou Morita, que já tinha cartão amarelo, para lançar Daniel Bragança. De forma natural, o Sporting tinha mais bola e maior presença no meio-campo adversário, com o Lille a tentar adaptar a pressão alta à inferioridade numérica, mas não era por isso que estava confortável no jogo. Quenda e Catamo tiveram boas ocasiões para marcar, com um cabeceamento ao lado e um remate que também falhou o alvo, mas os leões perdiam a bola com alguma facilidade e não conseguiam explorar a profundidade que os franceses até permitiam.
Bruno Génésio fez substituições a cerca de 25 minutos do fim, lançando Tiago Santos, Bouaddi e Mathias Fernandez-Pardo, mas não evitou algo que poucos poderiam antecipar: titular esta noite, o belga Debast encheu-se de convicção e desferiu de fora da área um potentíssimo remate que levou a bola a embater ainda no ferro antes de entrar na baliza francesa.
Os mais de 41 mil espectadores em Alvalade aplaudiram de pé e Debast agradeceu os aplausos, fazendo assim esquecer, de certa forma, os erros do embate da Supertaça com o FC Porto, na sua estreia com a camisola dos leões.
O golo, apesar do momento da noite, serviu de calmante ao jogo. O ritmo abrandou, até porque o Lille não ia além de arrancadas individuais, e o Sporting foi inteligente a gerir a vantagem. Já perto do fim, Amorim permitiu a estreia do novo avançado Conrad Harder – como prometido, a dividir ataque com Gyökeres.
O marcador não mais voltou a sofrer alterações e o Sporting venceu o Lille em Alvalade, entrando no novo formato da competição europeia a ganhar e a conquistar desde já os primeiros três pontos na liga a 36 equipas, mostrando exatamente aquilo que o treinador pretendia: que agora, quatro anos depois da chegada de Amorim a Alvalade, a turma subiu claramente de patamar qualitativo.
Várias vezes no passado, Rúben Amorim expôs que a sua equipa ainda tinha de crescer para jogar neste tipo de palcos e, neste jogo, os leões demonstraram que deram esse salto. Maduros, mandões, inteligentes taticamente e sem deixar o Lille impor o seu jogo. Agora, definitivamente, este Sporting é uma equipa que já pensa e joga como uma equipa grande.
Homem do jogo
Com o avançado sueco dentro de campo quase todos os dias são Carnaval. Viktor Gyökeres voltou a marcar um belo golo, colocou o Sporting na frente do marcador e ainda foi, tal como é apanágio, influente na construção ofensiva. Nada que não estejamos habituados, portanto.
Texto: Raúl Saraiva
Imagem: UEFA