Imagine fazer 55 anos no dia 22/11. Se as capicuas são sinais de sorte para alguns, o décimo álbum de estúdio dos britânicos, batizado com o próprio nome da banda, fugiu das presunções de quem se baseia nestes sinais do universo.
Apesar de um icónico e consolidado trabalho, The Beatles traz consigo a bagagem de marcar, para muitos, o começo do fim de John, Paul, George e Ringo como banda. Esta premeditação tem início na capa do álbum e estende-se pela forma como foram elaboradas as faixas do mesmo.
Em 1967, The Beatlesapresentam Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band, um trabalho que, apesar de clássico, se revelou polémico e ousado. A capa do álbum apresenta caras de diversas personalidades emblemáticas e, na sua fase embrionária, chegou a ser pensado ter Hitler, Jesus e Ghandi, no mesmo conjunto. Além disso, há quem acredite que a música “Lucy in the Sky with Diamonds” fosse uma mensagem subliminar que, na verdade, se referia a LSD. Mas onde é que se pretende chegar ao referir um álbum completamente diferente?
A realidade é que, um ano depois, os Beatles lançam um álbum com uma capa toda branca, onde apenas está escrito o nome do trabalho – um choque completo para os fãs dos meninos de Liverpool que, depois de projetos de arte ousada, repletos de mensagens subliminares, expressionismos e cores, mostram a simplicidade em aparência de disco.
The White Album, como viria a ser apelidado pelos fãs, tinha a peculiaridade de ter dois discos, o primeiro com 17 músicas e o segundo com 13, numa coletânea sonora bastante extensa que se tornou icónica e uma nova espécie de modus operandi no panorama rock dos anos 60 e 70.
Um álbum com 30 músicas e mais de uma hora e meia de duração não é para os ouvidos de qualquer um. George Martin, o produtor da banda, admite que The White Album foi uma desilusão para ele. Durante a produção deste trabalho, o “quinto beatle” foi completamente colocado de parte e a sua voz parecia não atingir os “verdadeiros” integrantes da banda. Veio dele a ideia de reduzir o tamanho do álbum, escolhendo, da coletânea de trinta canções, apenas as que se destacavam, para fazer apenas um disco mais conciso, fácil de ouvir e, na sua opinião, melhor. No entanto, como é nítido, isso não aconteceu.
Um dos principais destaques do trabalho é a variedade de estilos presentes. The Beatles (o álbum) leva-nos num carrossel de géneros e inspirações que passa pelo blues, rock, jazz, bossa nova, psicadélico e country. Isto porque todos os beatles têm canções da sua autoria na coleção, que depois foram, ou não, acompanhadas pelos restantes membros da banda.
“Back in the U.S.S.R.” é o rock and roll clássico que abre o album. A inspiração para a música veio de “Back In the USA”, de Chuck Berry, que, segundo Paul McCartney, tem um significado bastante óbvio e ligado à pátria e gosto em servir o país. Então, a versão dos Beatles relata a perspetiva de um espião russo que, depois de imenso tempo na América, finalmente regressa à União Soviética.
A seguir, segue-se “Dear Prudence”, um dos destaques de The White Album, num estilo completamente diferente à música de abertura. Algo a notar é que muitas músicas deste trabalho foram escritas durante uma espécie de “retiro espiritual” da banda, na Índia, onde interagiram com os costumes e o povo desse país. Os Beatles tinham embarcado num programa de Maharishi Mahesh Yogi, de modo a aprender meditação transcendental, e Prudence, irmã de Mia Farrow, era uma das participantes desse programa. John Lennon e George Harrison descobrem, nesse seguimento, que ela entrara no programa devido a uma experiência traumática com alucinogénicos. Então, a dupla compôs “Dear Prudence”, como forma de acalmar a jovem, numa letra positivista e esperançosa, que culminou numa das melhores canções do álbum.
“While My Guitar Gently Weeps” imortalizou-se como uma das melhores canções de toda a discografia da banda britânica. A sétima música deste álbum surgiu como um exercício de aleatoriedade de George Harrison, que abriu um livro qualquer, leu a expressão “gently weeps” e desatou a compor. Na altura de escolher os participantes da música, Harrison resolveu convidar o seu amigo próximo e o único guitarrista a tocar em ambos os estúdios oficiais dos meninos de Liverpool, Eric Clapton, para colaborar com a banda. O solo de Clapton coloca, de facto, a guitarra a chorar, na parte final de uma das melhores composições de sempre.
São poucas as bandas capazes de fazer o que os Beatles fizeram em “Happiness Is A Warm Gun”. A oitava música do álbum é do mais difícil de classificar, devido à quantidade de vezes que a sua melodia muda radicalmente. Ainda assim, a composição de Paul McCartney e John Lennon mantem-se coesa do início ao fim, com melodias perfeitas e um início de canção digno de arrepios.
A fechar o primeiro disco do álbum, alguns dos destaques são:
“Blackbird”, uma canção sobre a fuga à opressão dos direitos humanos, com uma das guitarras mais emblemáticas dos Beatles; “I Will”,uma das mais bonitas canções de amor da discografia dos meninos de Liverpool; e “Julia”, uma canção bastante complexa (e parcialmente desconfortável) de John Lennon, que mistura uma homenagem à sua falecida mãe, com uma canção de amor dedicada a Yoko Ono.
A segunda secção de The Beatles tem como destaque inicial “Yer Blues”, outra das canções compostas na Índia. No entanto, ao contrário do resto do grupo, que se sentia renovado e espiritualizado, John Lennon estava cada vez pior, o que resultou nesta música cheia de referências suicidas.
“Sexy Sadie” é a 22ª música do álbum e uma autêntica crítica de Lennon ao guru que os acompanhou na Índia. Numa altura em que John Lennon se encontrava cada vez mais perdido, descobriu que Maharishi tinha assediado algumas das participantes do programa, o que o levou a repugnar o guru indiano e a compor “Sexy Sadie”. (“Sexy Sadie, what have you done? You made a fool of everyone.”)
“Helter Skelter” aparece como uma espécie de heavy metal dos Beatles e, segundo historiadores musicais, serviu de inspiração para muitas bandas metal que viriam a aparecer. É, sem dúvida, um dos destaques do álbum, tendo sido lançada como segundo single, e representando uma das músicas mais volumosas e rebeldes dos britânicos.
Uma das músicas mais subvalorizadas do álbum é “Honey Pie”, outro trabalho creditado à dupla Lennon-McCartney. A música é, além do nome, bastante doce e leve, com vozes subtis e guitarras que aparentam remeter a clarinetes.
“Savoy Truffle” é outra música da coleção fantástica de composições de George Harrison, enquanto beatle. Escrita para Eric Clapton, como uma espécie de brincadeira devido ao arranjo dentário que o guitarrista tinha feito, a música é repleta de referências alimentares e é instrumentalizada na perfeição, pelas guitarras que percorrem a canção do início ao fim.
É interessante mencionar também as “Revolution” (1 e 9) de John Lennon que, juntamente com “Blackbird”, representam o maior peso e intervenção política através da música de todo o trabalho.
The White Album termina e deixa com quem o ouviu um grande problema: “o que vou ouvir agora?”. Se a experiência começa com uma mente em branco, termina com um espetro de cores que, vítima daquilo que foi a viagem pelo álbum, é do mais variado e policromático que há.
Ainda faltavam seis anos para a banda se separar. Não obstante, é em The Beatles que esta proximidade do fim mais se começa a notar. O ritmo muda de uma faixa para a outra, enquanto uma canção mata a seguinte; é possível ouvir membros da banda a falar no fundo de algumas gravações; músicas que não chegaram a ser gravadas na totalidade constam no álbum; o estilismo desiquilibrado, os convites proibidos, a invasão dos estúdios por membros alheios, o ódio (pós-meditação), a inveja, a música… e onde nos deixa tudo isto? No passeio que fazemos ao longo do álbum, somos deixados, enfim, na paragem do melhor trabalho que The Beatles alguma vez fizeram.
Nota do Autor: Este foi dos artigos mais difíceis que já tive de escrever. Ter de escolher, num álbum de 30 músicas geniais, sobre quais falar entra, sem dúvida, para a lista de “motivos de orgulho” quando fizer o meu throwback a 2023. Como se lia em alguns fóruns, sites e jornais que consultei para desenvolver isto, “os Beatles não foram uma banda, foram um milagre”.
Diogo Linhares