Lembram-se daquela pessoa com quem falavam diariamente nas redes sociais sem nunca se terem visto? Aquela pessoa com quem marcaram um encontro ao vivo, chegaram lá entusiasmados e a coisa até começou bem mas depois notaram que, afinal, a pessoa não é assim grande coisa? Penso que já tenham percebido a analogia.
Realizado por Gareth Edwards (Rogue One: A Star Wars Story, Godzilla (2014)) e escrito em conjunto com Chris Weitz (A Saga Twilight: Lua Nova, A Bússola Dourada), O Criador retrata a missão de assassinato de uma inteligência artificial por parte de um agente de forças especiais (John David Washington) 15 anos após a denotação de uma bomba nuclear em Los Angeles.
Sendo fã do trabalho deste realizador, tendo já visto todas as longas-metragens prévias dele, entrei no hype train por este filme. A crítica positiva inicial fez-me pensar que seria este o grande filme de ribalta do Edwards, catapultando-o para o estrelato e um gênio da ficção científica. No entanto, por melhores que sejam as ideias apresentadas, nem o ZigZag da RTP 2 ziguezagueava tanto quanto este guião.
O filme aborda fundamentalmente temáticas como a religião, o conflito Ocidente/Oriente (bélico, filosófico, tecnológico) e a hipocrisia e incompetência humana – principalmente a ocidental. E fá-lo bem, com diversos e variados momentos ao longo das duas horas de ecrã a demonstrar que o problema principal neste universo não são as máquinas mas sim o ser humano. Afinal de contas, os filmes de Edwards têm todos uma forte componente humana.
No entanto, o tema fundamental abordado neste filme incide sobre o conflito homem – inteligência artificial e o caminho que toma é mal explorado. Debruça-se sobre o dilema da sobrevivência da espécie e toma uma posição definitiva (no final) mas o próprio guião é medíocre: divaga de ideia para ideia para depois regressar à mesma ideia ou saltar para outra, salta de cena em cena e não se mantém focado no que está a acontecer, levando a diversos plot holes. Aliado a isto, existem inúmeros erros de continuidade, o diálogo é aceitável mas ocasionalmente quebra para o medíocre – os momentos de comédia estão mal colocados, por exemplo, e os atores não se decidem em que língua falam – e nota-se muito a filosofia “shoot first, write later” (algo já várias vezes apontado ao realizador, muito por culpa das origens dele enquanto artista de efeitos visuais/especiais) nas cenas. Efetivamente, o filme perde-se pelo meio do que quer fazer.
Porém, contudo, no entanto, não está tudo perdido! O filme, para começar, é lindíssimo! Dos locais de filmagem aos efeitos visuais e especiais, o visual, a coloração e a cinematografia do filme são espetaculares. O aspeto 2.76:1 confere uma sensação verdadeiramente cinemática ao filme, com excertos do dia-a-dia oriental a exporem uma beleza futurística quotidiana que o filme deveria ter explorado mais e melhor narrativamente O design deste futuro 2070 parece algo retirado da arte de Simon Stålenhag. O som e a banda sonora estão muito bem conseguidas, com um Hans Zimmer mais contido que o habitual a trabalhar bem, e as atuações estão bem conseguidas.
De notar, importantíssimo, o impacto que este filme poderá ter em como Hollywood filma. Com apenas (pensem no contexto) 80M€, Gareth Edwards é capaz de criar um filme que qualquer outro não faria abaixo dos 300M€ e até com melhor aspeto. Se com Monsters (2010) mostrou que o equipamento público era capaz de criar um filme à Hollywood, com The Creator mostra que o futuro do cinema nunca precisou de ser tão caro para ser tão bom tecnicamente – uma noção que parecia ter desaparecido da indústria à décadas.
Essencialmente, o filme apresenta uma grave falha – o guião –, forte o suficiente para deitar abaixo o resto do filme. No entanto, é um bom filme para se ver e é filme suficiente para prender a atenção; convém é desligar um bocado o cérebro. Faz lembrar um bocado os filmes de Neil Blomkamp após o District 9, tanto para o bem como para o mal.
De 0 a 5, 3.5. De 0 a 10, 7.5.
Texto: Joaquim Duarte
Imagem: Eduarda Paixão