O dia está quente. Sento-me numa cadeira da esplanada do café, tal como tantas outras pessoas. Talvez não tenham nada para fazer. Talvez até tenham muito para fazer, mas fazem de conta que não têm. Tal como eu.
Peço um gelado à simpática menina que trabalha no café. Um daqueles gelados que é de nata e morango e tem um cone de bolacha, com um bocado de chocolate no fundo. Um daqueles gelados que não podemos dizer a marca. Desembrulho o papel com alguma delicadeza, dou uma lambidela no bocado de nata que ficou no papel e delicio-me com aquele pedacinho do céu, frio. Aquele momento é meu, só meu. Aos poucos o gelado vai-se derretendo na minha boca. De vez em quando lá vai um pedaço frio gelar os dentes. São males que vêm por bem.
Comer um gelado é como tudo nesta sociedade: Ninguém o faz de maneira igual. Somos todos diferentes, quer na forma de pensar, quer na forma de agir. Cada um com as suas convicções e com as suas crenças. Muitos sem convicções nem crenças. E comer um gelado não escapa a este fado. Podemos lamber, podemos trincar, podemos comer de uma só vez, ou ser mais demorados (e não convém demorar muito senão o gelado derrete). Há quem comece por cima e há quem comece por baixo. E depois há aqueles que não gostam de gelado, mas desses não vamos falar… Vá-se lá saber o que se passa na cabeça destas pessoas. Mas, apesar de tudo, o momento de comer um gelado é um momento de prazer.
O mais engraçado de comer gelados é o estado em que depois ficamos! Ou comemos com uma delicadeza nunca antes vista e acabamos de comer com a boca limpinha, ou parecemos umas crianças e acabamos todos sujos. Eu sou uma criança. Não quero saber de julgamentos nem olhares de desdém. Acabo com a boca suja, às vezes a ponta do nariz e até a roupa (mas desta parte a minha mãe já não gosta tanto). Faço quase tudo nesta vida como se fosse uma criança. Vamos lá ver, quase tudo! Também não ignoro as minhas responsabilidades. Mas as pessoas, de vez em quando, deviam de se comportar mais como as crianças, pelo menos no que toca à alegria de viver. Temos de viver mais, com mais alegria, mais inocência, mais pureza… Dizem que o mundo é das crianças, então vamos ter alma de criança e vamos comer mais gelados como elas.
Comecem a sentar-se na esplanada e a observar o que vos rodeia. Aproveitem o momento. Aproveitem os momentos bons da vida. Comam gelados. Comam gelados como as crianças. Não se preocupem com os julgamentos da sociedade… E é claro que não falo só no modo como saboreiam gelados. A verdade é que, com tanta conversa, o meu gelado derreteu. Vou pedir outro. Menina!
Marcos Vilaça