O dom de (não) fazer amizades

O dom de (não) fazer amizades

Na última semana, repeti duas vezes uma frase que andei a matutar nos últimos tempos. Não sei se significa que ando com demasiado tempo livre (o que é irónico dizer-se, tendo trezentos e cinquenta e quatro trabalhos, apresentações e frequências nos próximos dias) mas sei que é um sinal de que tenho testemunhado, cada vez mais, pessoas da minha geração com o mesmo discurso: “Claro que sou amiga dela! Sigo-a no Instagram!” – e quem diz Instagram diz qualquer outra plataforma social.

A parte mais cómica aqui é utilizar esta deixa para provar que, automaticamente, se estabeleceu uma relação de amizade entre a conta seguida e o seguidor. Pior é dizer-se isto num contexto real, numa conversa dita “séria”, de ânimo leve, como se se estivesse a dizer a coisa mais acertada do mundo. Eu, muito sinceramente, até gostaria de perguntar a estas pessoas como é que definem o conceito de “amigo” ou “amizade”, só para entender qual é que é o critério em que se assentam. Aposto que as respostas não seriam muito convincentes.

Mas se há coisa que devo aplaudir é a facilidade que estes “sobredotados” têm de fazer e até desfazer amizades.

Agora, porque é que isto é um problema, perguntam vocês? Este dom de “cultivar amiguinhos” é sinónimo de confundir a vida real com a vida online. Parece que o facto de passarmos demasiado tempo conectados transformou-nos em pessoas que não sabem distinguir ambas as “realidades” e esquecem-se por completo daquilo ou de quem está ali, presente e que, de um momento para o outro, pode deixar de estar. Reflito muitas vezes nisso.

E contra mim falo, não me interpretem mal. Não estou a dizer que a culpa é das redes sociais ou da Internet em geral, longe de mim… Não me identifico propriamente com uma daquelas avós com um Nokia de teclas gigantes que, quando pressionadas, reproduzem no volume máximo o número correspondente, ou daquelas que pergunta ao neto onde é que tem de clicar quando, no ecrã do telemóvel, está explicitamente escrito “Clique aqui”. Aliás, faço parte da vasta comunidade que acede diariamente às redes sociais, no entanto, acho que ainda sei distinguir bem aqueles que fazem parte do meu círculo de amigos daqueles que são os “seguidores” numa mera rede social.

Mas quando digo que “contra mim falo” refiro-me ao facto de também cair no erro de pegar no telemóvel para fazer algo insignificante a meio de uma conversa. Às vezes já inconscientemente. Podemos convencer-nos de que estamos a prestar atenção ao que a pessoa à nossa frente está a dizer, mas o outro lado, certamente, não se sentirá ouvido. Quantas vezes o contrário já aconteceu? Estarmos numa roda de amigos e, de repente, mais de metade (se não todos) está com os olhos postos no ecrã dos telemóveis?

O que me assusta é mesmo ter chegado a um ponto em que nem nos apercebermos disso, por ser um movimento já tão recorrente. O simples movimento de esticar a mão para chegar aos pequenos ecrãs que leva a que boas conversas se percam, momentos que seriam dignos de mais tarde virar boas conversas se dissipem e gargalhadas permaneçam abafadas.

Vivemos submersos numa sociedade tão preocupada com o que se passa (ou não se passa) nas “redes”, que se esquece do mundo que a rodeia, que é real! Uma sociedade que se esquece de valorizar o que acontece diante dos nossos olhos e não atrás de um ecrã, esses momentos efémeros que não desaparecem após 24 horas e sim em milésimas de segundo. 

E é aqui que quero chegar, uma sociedade que escolhe viver na ilusão e uma geração que afirma que assim que a barra azul que diz “Seguir” aparece com a preposição “A” é instantaneamente promovido a amigo.

Voltando à forma como comecei, repeti duas vezes uma frase que andei a matutar nos últimos tempos: “O cúmulo da nossa geração começa quando se assume ser-se amigo de alguém porque seguimos essa pessoa numa rede social.”

Madalena Andrade