Eu sou uma pessoa sensível. Tenho em mim os gostos antigos da poesia da região lusitana, dos seus escritos e dos seus autores. Tenho, também, traços de naturalista incipiente, ou seja, amo a floresta, o campo, os prados verdes e a languidez sóbria que acompanha todos os anteriores. Nunca gostei muito das grandes cidades, com os seus espaços cinzentos, automóveis exagerados e correrias desenfreadas. Amo o Interior, o seu verde e a sua calma.
Tal introdução para dizer o seguinte: estão a construir uma ciclovia por trás da UTAD. Não haveria escândalo nem oposição se o espaço a ocupar fosse um caminho entre prédios, alcatrão entre betões. O problema é que o carreiro a utilizar é uma ecopista, de terra batida, entre floresta. Trata-se do troço da Ecopista do Corgo que liga a Antiga Estação à Universidade. Lembro-me de percorrer esse caminho quando vim pela primeira vez explorar o sítio, após um ano de estudos no Porto que não deram em nada pelos seus tons de cinza. Não sabia onde era a fachada principal. Eu e parte da minha família perdemo-nos e acabamos por ir dar ao polo I das Ciências Humanas por mero acaso. Não esqueci, tal como não esqueci as inúmeras incursões que por lá fiz para identificar e desenhar espécies vegetais ou colher salada silvestre que, já agora, por esta altura deve estar a despontar. Hoje ainda passo lá quase todos os dias, como muita gente, pela simples razão de usufruir de um espaço natural longe de urbanismos e de estradas.
No entanto, há cerca de um mês, soube, por meios informais, que estava planeada a alteração do espaço, com especial destaque para a introdução de alcatrão. Entrei em pânico, chateei e contactei gente e as respostas oficiais chegaram há relativamente pouco tempo.
Através das amabilidades de um dos engenheiros consegui obter o projeto e umas explicações. O projeto do Município prevê a extensão para Sul do eixo ciclável já existente, fazendo a ligação da Antiga Estação à UTAD, passando chapa metálica pela ponte do comboio. A acompanhar o troço estará uma rede de iluminação pública o que, vendo bem as coisas, não é de todo má ideia. Até hoje foram apenas realizadas a introdução de cubos de granito nas periferias, agregado britado arenoso e um ou outro poste de iluminação. O que me amesquinha é o alcatrão, o facto de asfaltarem um espaço que não necessita de ser asfaltado, em parte devido ao baixo potencial ciclável existente na UTAD, devido às suas acentuadas subidas e descidas, mas sobretudo devido à negatividade estética que tal introdução acarreta. O alcatrão fica feio entre floresta, mais feio que qualquer pavimentado. Talvez não estivesse a escrever este texto se soubesse que o troço da linha do Corgo ia ser preenchido com pedra de calçada (acastanhada, de preferência, não preta) ou só britado e alisado para evitar alagamento.
Há ainda a questão do comboio. No Plano Ferroviário Nacional há menções à Linha do Corgo e à sua reabertura devido ao seu potencial turístico e de transporte local entre Vila Real e a Régua. Hipótese a ser estudada e não totalmente descartada, como os próprios indicam. Nota de rodapé, mas ainda assim válida.
Nada contra as ciclovias. Deixem-nas é nas cidades e não no campo. Termino.
José Miguel Neves