Acordar já é um bom motivo para voltar a dormir. O despertador toca. Mais cinco minutos. Toca novamente. Mais cinco minutos não fará diferença. Coloco o pé no chão. O corpo congela. Começo a minha dança matinal até ao chuveiro. Desperto com água morna. Finalmente, bem-disposta. Saio de casa. Chego. Fico à espera do elevador. Entro na sala e sento-me nas cadeiras desconfortáveis. Olho para a televisão para me distrair um bocadinho… está avariada. O reencontro é sempre às 9h, chego e ainda tenho de esperar três horas por algo que nem sequer é meu. Entretanto já perdi a conta de quantas vezes fui à casa de banho, já joguei Tetris, já li a revista cor-de-rosa umas mil vezes. Marcam sempre encontro às 9h e nunca é às 9h, não entendo. Pausa para digerir isto.
Odeio isto tudo. Odeio-te! Não te conheço, mas já te odeio. Inconclusivo? Chegas assim de repente, sem tocar à campainha da minha vida e colocas-me em estado “inconclusiva??” Isto é uma prova? E quando invades a minha vida fico sem saber o que dizer, fico neutra.
Fico assim forçada a um estado de atenção plena, de foco, com aquilo que se está a passar no meu corpo. Parece que de repente tudo parou. Ganhei consciência dos meus próprios sentimentos, do medo, da dúvida, da incerteza, do pânico…. É tudo tão estranho, senti que o meu corpo tinha de agir de alguma maneira.
E o meu corpo reagiu. Lembro-me de entrar na sala, ouvir os passos, escutar o som irritante das máquinas, olhar para a luz intensa que estava em cima de mim, sentir a picada e de repente…. Apagou-se tudo, já não sentia, já não ouvia, já não olhava, já não me lembrava de nada.
Mas acordei e tudo correu bem! Eu tinha um rebuçado com um vestígio e, agora, uma história que levo para a vida. Chama-se cicatriz! A que eu carrego é bela e deslumbrante. Para muitos não é bonita, mas, para mim, é. Ela é sinónimo de superação de luta e, cada vez que olho para ela, lembro-me do quão invencível eu sou! A única dor que devíamos sentir, era a dor de barriga de tanto rir.
E, agora, conheço o meu sorriso, com um rosto bonito – bastante bonito para ser sincera – com uma cor amarelada, com um novo penteado, já sem cabelo. Não quero ser convencida, mas continuo bonita!
Ter vida é um privilégio, que muitos não dão valor. Afinal, o que eu tenho são apenas células que sofrem mutações, que se dividem sem controlo e nós impedimos que se perca um corpo e uma alma sem direção para roubo. Nós somos um só, com ou sem corpo, somos únicos e perenes. Um corpo que mata, que dói, que quer sobreviver, que quer viver, que quer crescer, mas não sabe se pode, é frágil como uma folha ao vento. E às vezes voa e às vezes perde-se sem rumo.
De facto, não te queria conhecer, conheci-te e continuo a odiar-te.
Beatriz Parada