Se é verdade que Jesus Cristo bebia cerveja não sabemos

Se é verdade que Jesus Cristo bebia cerveja não sabemos

Jesus Cristo bebia cerveja é um livro demasiado sensível em todos os aspetos, incluindo as personagens e a escrita em si. É incrível como as palavras simples do Afonso Cruz viram poesia, ditas com tanta emoção, que sentimos como se o próprio coração do autor falasse. A personagem do professor e da inglesa despertam um paralelismo demasiado interessante, uma espécie de ponte entre a ciência e o espírito. Os diálogos que presenciamos entre os dois são verdadeiros raciocínios sobre o existencialismo, as discussões sobre a razão e a construção do “Eu” fazem parte da narrativa. A leitura é instigante, os capítulos são curtos e profundos, fiquei perdida nos trechos que retratam a velhice como um passo para a morte (“As pessoas não morrem, emigram”). As motivações do indivíduo são um fator relevante para esta emigração, onde o livro defende a ideia de que vamos para algum lugar muito distante daquilo que conhecemos, de uma maneira ou de outra. A morte é a razão pela qual vale a pena viver e vemos um pedaço dela em cada ano vivido, como se tratasse de uma corrida sem marcação prévia de chegada.

O escritor, que também é músico e cineasta, dá corpo a obra com personagens muito marcantes numa região perdida no Alentejo. Personagens que mostram a profundidade na banalidade e na rotina do campo. A pequena aldeia do Alentejo acaba por transformar-se em Jerusalém devido aos desejos de uma neta dedicada, a Rosa. No decorrer da história deparamo-nos com os dramas vividos por Rosa, uma vítima da própria vida, uma refém do sofrimento contínuo das escolhas daqueles que estão à sua volta. O amor da rapariga é o ponto-chave do livro, e podemos encontrá-lo na relação com o professor, na relação com a avó e até mesmo nos livros que lê. Uma rapariga sem anseios particulares, que muito sofre, injustiçada pelos acontecimentos da vida e a espera do seu propósito que nunca vem (“A sabedoria vem com a idade, com a velhice, e suspeito que nos come os órgãos, pois quando mais sabemos das coisas, mais o fígado se queixa, mais os rins têm insuficiência, mais o coração pára. A sabedoria come tudo”.). Completamente comovente, com a devida dose de ironia, Jesus Cristo bebia cerveja faz alusões daquilo que são pilares da vida recorrendo ao tema do amor, com atos de sacrifício, e claro, muita cerveja.

Giovanna Querubim