A culpa é delas

A culpa é delas

Se há um aspeto positivo de não ter de sair à rua neste período é o facto de podermos viver comodamente sem ser alvo de críticas sem fundamento ou piadinhas de mau gosto em relação à nossa aparência.

Toda a minha vida fui obrigada a pensar sempre duas vezes antes de usar qualquer peça de roupa pois sabia que ia andar na rua, onde indivíduos do sexo oposto também circulavam, e que provavelmente iria passar por uma obra em construção em que alguns dos trabalhadores iriam assobiar, comentar ou simplesmente ficar a olhar infinitamente. Bom provavelmente não querem ofender, para eles é completamente normal abordar uma rapariga com um piropo, e qual é o problema? O problema é que não é a forma adequada de se abordar alguém, é uma falta de respeito além de que provoca constrangimento. Entendo que por vezes trata-se de apenas olhares involuntários, no entanto, este são percetíveis e acabam por causar desconforto da mesma forma. Sim a culpa é nossa, que nos vestimos de forma provocadora. O engraçado é que quando vestimos calças e gola alta, também somos abordadas da mesma forma.

Apesar de agora não poder sair muito de casa, sinto-me à vontade para o fazer sem pensar nas consequências. A questão que coloco é: Será que esta problemática tem sido mais consciencializada, ou à medida que cresci, fui-me habituando aos olhares? Acho que a resposta adequada corresponde à segunda opção, por muito que me entristeça. É preciso ter em atenção que não são apenas as mulheres que sofrem com isto, há imensos homens que também padecem e que acabam por ser esquecidos neste mundo cujas mulheres são maior objeto sexual.

Se vocês pensam que nesta quarentena não iam assistir a casos de assédio enganam-se. Não é sexual, mas sim moral. Há alguns dias atrás, li uma notícia que em Espanha, pessoas que continuam a trabalhar nesta época de pandemia estão a ser alvo de assédio e ameaças por parte dos vizinhos do seu prédio. Estes deram-se ao trabalho de todos os dias deixar bilhetes à porta ou na caixa de correio a afirmar que os trabalhadores são um perigo para o condomínio e que deviam assim abandoná-lo.

Ora, o país tem de continuar, a economia não pode parar e por consequência alguém tem de continuar a trabalhar e não deve, por isso, ter de abandonar a sua habitação.  Os vizinhos, que não devem sair de casa a não ser para o estritamente necessário, são os que tem o dever de ter o cuidado requerido, como por exemplo, evitar tocar em objetos e desinfetarem-se deviamente em suas casas. É impressionante como há pessoas com uma mentalidade tão reduzida.

Comecei o artigo com um problema e terminei com outro, talvez seja porque divago muito, porém, estes dois problemas têm ambos a mesma solução, o respeito e a compreensão pelo outro, essenciais para viver em sociedade.

Vera Lopes