Um dia, Sócrates – não o Sócrates português, que desse poucas lições poderemos retirar – fora citado pelo seu discípulo Platão, através das seguintes palavras: “As pessoas confiarão nas palavras escritas externamente, e não se lembrarão por elas próprias.” Nesta altura, Sócrates alertava contra o surgimento da escrita, defendo que ela iria provocar a preguiça mental.
A questão que, hoje em dia, tendo em conta esta citação e estabelecendo uma analogia com a atualidade jornalística vigente, é a seguinte: Haverá, hoje, confiança naquilo que é escrito externamente? Ter-se-á, quiçá, a preguiça mental realmente instalado na nossa sociedade ao ponto de a desconfiança prevalecer?
Muito já se disse, já se estudou, já se mitigou e ousou interrogar em relação à Comunicação Social. Até aqueles que estão por dentro da área, consideram muitas vezes a complexidade que envolve essa análise – o que, claro está, desperta fascínio naqueles que possam ir para as faculdades com olhos reluzentes, virados para os grandes ecrãs, aspirando e deliciando-se pelas utopias que veem através dos seus televisores em casa. Isto, porque o papel já pouco ou escassamente pode fazer olhinhos – a não ser que venha estritamente visível o sangue derramado da população numa manchete.
Em 1948, George Orwell escreveu 1984, onde era exposta uma visão assustadora sobre a omnipresença e omnipotência da televisão. Orwell, imaginou um mundo onde a atividade do cidadão era vigiada na sua totalidade por governantes invisíveis, utilizando as televisões para controlar e manipular a sociedade até ao mais ínfimo pormenor. Tal como ele, Marshall McLuhan, um dos autores mais estudados pelos estudantes de Ciências da Comunicação, também deixou o seu contributo que gerou críticas fortes ao longo dos anos. Uma das suas mais conhecidas e célebres frases ficou para a posteridade e é, talvez, uma das mais importantes frases no mundo comunicativo: “O meio é a mensagem”. Uma frase tão simples, com tanto para nos revelar e fazer refletir.
Num contexto instável em que nos encontramos, a comunicação que se exige – tanto pelo cidadão, como pelas redações para com os seus profissionais, e mais especificamente dentro do jornalismo – é a de uma comunicação eficaz, factual e concisa. Se, de uma certa forma o cidadão exige uma informação mais verdadeira, factual e fugaz, por outro lado, a realidade é que o mesmo cidadão não tem vontade de ler o que se lhe é colocado. Antes da epidemia nos assolar, não havia tempo. Agora, há. E há exceções, como é evidente. O factual talvez exija uma maior compreensão, uma extensa análise dos factos, que possa, a uma dada altura, deixar o leitor aborrecido. Porém, se olharmos para as estatísticas do tipo de jornalismo que é lido pela maioria da população, a balança inclina-se para o sensacionalismo.
Recentemente, Felisbela Lopes, Doutorada em Ciências da Comunicação, escreveu um artigo para o Jornal de Notícias, em que reflete a necessidade de “apoiar os média”, apelando ao Estado a criação de “apoios que garantam a sobrevivência do setor que, como se percebe, é vital para o funcionamento das sociedades”.
Dias depois, uma nova mancha é carimbada sobre o jornalismo, nomeadamente por um canal de televisão, que todos são conhecedores – não esquecendo que, durante esta epidemia, outros canais já o tinham feito, mas não com um alcance escandaloso como neste se verificou. A confiança, se ela alguma vez existiu em sossegada paz neste meio, quebrara novamente os laços com os cidadãos, que viram no escândalo mais uma péssima atuação daquilo que o jornalismo não-saudável é capaz de fazer. Se havia dúvidas em relação ao seu impacto, este exemplo é significativo para fazer frente à ilação dos céticos.
Quando cães esfomeados correm atrás do mesmo osso – e, neste caso, entenda-se que o osso são as audiências –, a cegueira é de tal forma imperial, que a mediação consciente dos atos profissionais tomados para saciar esse objetivo, tendo em conta a lei da sobrevivência, não só para um público ansioso pelo consumo, bem como assente pela ditadura da informação, causa patologias na qualidade jornalística.
Ana Marques