Nascer, viver, morrer, e acabou!

Nascer, viver, morrer, e acabou!

Os génios deixam-nos, ficam por terras que não alcançamos tão cedo, até ao nosso destino fatal, o fim, onde dizem que vemos uma luz, lá bem no fundo, e eu, onde ficamos todos nós depois dessa tragédia, depois dessa mutação, desse enfim que lidamos atualmente, e eu respondo, seriamente, queria ressuscitar uma das mentes mais brilhantes que Portugal ainda tem presente, mas infelizmente, fisicamente, ter-nos-á deixado no ano de 2010.

Um dia esse génio disse-nos, através de uma disposição gratuitamente livre, despojada de preconceitos, de censura:

“Quem quiser crer, crê, e acabou-se. Eu digo em alto e bom som que não, enfim, para mim, não. (…) A realidade continua a ser igual. Nascer, viver, morrer, e acabou.”

Meu (mas completamente da Pilar) Saramago, por ti, escreverei esta crónica como todos aqueles que foram incompreendidos nos seus tempos!, sim, não foste o único, certo, certo, pois, completamente certo, mais outros escritores portugueses sofreram na pele a ânsia de o ser e de não poder vir a ser ao mesmo tempo, porquê, porque a vida é assim, as pessoas não valorizam as artes, a mente de quem comete a audácia de ser, ter o pensamento diferente, a escrita peculiar. Já Pessoa, lembras-te, o melhor dos melhores, perdoa-me a definição altiva, a definição reproduzida pelo amor que nutro por tal personalidade nacional, foi incompreendido, lá naquela época, ainda o escritor tinha o valor nas veias, e hoje eu só queria que ele e a sua querida ficassem juntos, felizes, enfim, que homem!, que garra!, que paixão tinha ele naquele coração tão sôfrego, tão sofredor, tão embebido de mundos e fundos, de sentimentos controversos!, oh!, se eu reclamo das minhas crises existenciais, dos meus dramas, dos meus problemas, que são reais, são mesmo, todos eles, existem em mim e perduram em parte incerta, como é que tu, meu grande escritor, conseguiste lidar com tantas pessoas dentro de ti, cada qual com as suas peculiaridades, com os seus traumas, todos eles diferentes, todos eles desmedidos, todos eles ambiciosos, oh, que talento!, que fizeram à nossa Literatura?, queria mudá-la, queria, tenho esse sonho e essa ambição, essa vontade quase turva e débil,  mas eis-me no chão, especada, olhando para vocês, quase me vêm as lágrimas, garanto-te, inundam-se-me praticamente as olheiras, garanto que sinto-as a correr timidamente por mim,  e vou bebendo as fontes que restam para todos nós, o público, a audiência incrédula, estática, e fico-me pelo deserto das mãos, do manuseamento das frases, dos pensamentos, das ideias, de todo o encanto que a escrita tem sobre mim!

Livrem-me disto, deste povo que prefere o simplório que diz que sim e todos vão segui-lo, ouve-me as preces, oiçam-me, Cesário, por favor, traz contigo esse Sentimento dum Ocidental, dai-me desse calor, desse engenho necessitado, que é, é todos os dias insano e incessantemente ansiado…

…estes são os gritos que eu vos quero transmitir, aqui, deste lado, num Portugal tremido, repleto dos rabiscos que ficam por escrever, nas telas, nas paredes, nos livros, nas imagens e no cinema, no cinema, repito, porque do outro lado a receção é diferente também.

As saudades acutilam qualquer apreciador de arte, qualquer um que aprecie o que fostes, o que jamais sereis e jamais alguém será.

Ana Marques