Indignações mudas

Hoje, meus caros leitores, trago-vos verdade. Apenas a verdade, e somente a verdade, de forma direta. Se te doer assim tanto ler o que vou passar a escrever é sinal que também te incomoda o mundo em que vivemos e, por conseguinte, lidamos constantemente.

Vivemos num mundo em que alguém ser violado é culpa da vítima; vivemos num mundo em que quem pratica violência doméstica fica em liberdade; vivemos num mundo em que a democracia se torna irrespirável por causa de um politicamente correto que nos é corrosivo em termos de liberdade de expressão e nos escrutina o cérebro de forma soberba; vivemos num mundo em que quantos mais likes obtiverem numa foto no Instragam mais dinheiro ganhas e mais patrocínios recebes; vivemos num mundo em que o que conta é a aparência e não o conteúdo interior de cada um, a essência, a identidade; vivemos num mundo em que os jornalistas se submetem para ganhar uns trocos, míseras quantidades, a míseras condições de trabalho; vivemos num mundo em que, para tu fazeres aquilo que queres precisas de trabalhar na horizontal, precisas de cunhas, precisas deste e daquele (aliás, acabas por nem faze  o que queres, porque se torna extremamente impossível, quase); vivemos num mundo em que todos lutam pela melhoria do ambiente, por uma política sustentável, mas que depois à primeira oportunidade ociosa atira copos de plástico de café para o chão sem a mínima preocupação; vivemos num mundo em que espancamos animais, gravamos nas redes sociais para ter uma egrégia fama – de idiota, convenhamos; vivemos numa sociedade em que dizer a verdade através do humor, através da comédia, nem que seja através de um humor negro, somos despedidos dos nossos locais de trabalho, somos perseguidos pelos críticos e analistas das redes sociais que, ao invés de contribuírem positivamente para o país, apenas descarregam oleosidade pelas caixas de comentários dos vários canais de comunicação; vivemos num mundo em que os meios de comunicação preferem encenar uma verdade, ao invés de a investigarem até ao cerne, até ao fundo das questões pertinentes, deixando-se, assim, manipular por uma espécie de leilão financeiro; vivemos num mundo em que já não são os miúdos que contam mentiras pequeninas aos pais quando fazem asneiras, são também os jornais, são também os meios de comunicação, são as pessoas em quem era suposto depositarmos a maior confiança; vivemos num mundo em que a religião é usada para matar pessoas, para escolher a morte a qualquer pessoa, em nome de um suposto Deus superior; vivemos num mundo em que a Segunda Guerra Mundial não serviu de exemplo suficiente para nos deixarmo de xenofobias, de racismos, de discriminação, e empurramos como podemos os refugiados para onde eles nunca deveriam de ter saído; vivemos num mundo em que já não escolhem os Governos e os Políticos porque percebem de direitos humanos, para nos salvaguardarem dignamente os nossos direitos e deveres, para nos governarem de forma livre, mas escolhemos aqueles que provocam o escândalo, a azáfama, sendo eles apologistas da violência e contra todas as orientações sexuais; vivemos num mundo em que as políticas de esquerda surgem, deixam o povo morrer à fome, criam uma instabilidade descomunal; vivemos num mundo em que qualquer pessoa escreve um livro, nem que sobre memes e prints copiados das redes sociais para ganhar dinheiro – pobre Eça de Queirós, pobre Camões, pobre Fernando Pessoa!; vivemos num mundo onde eu já quis estar e tive alguma esperança enquanto estudei História no secundário para não voltar a repetir erros históricos do passado e melhor encarar os novos que assolam atualmente; hoje, agora, a esperança abala, as ganas de mudar esta fantochada toda são resilientes, porém eu vou ficando incrédula, como todos vocês.

Eu vivo numa sociedade de merda – por amor de Deus, permitam-me que use esta palavra, as novelas já o fazem e não será a imprensa que me menosprezará. Aliás, não seriam vocês a deter-me, quando vocês ouvem funk ou assistem a reality shows. Quanta audácia, minhas Virgens Ofendidas!

Já dizia Ricardo Araújo Pereira: “Estar Vivo Aleija”!

Ana Marques