Na mesma semana em que se celebra o Dia Internacional da Mulher marcado por várias greves feministas, não só em todo o país como pelo mundo fora, numa luta interminável pela igualdade de direitos entre os sexos – uma das quais aqui em Vila Real – onde se podem observar frases como “lava a tua loiça”, “basta!”, “fartas até à cona”, escritas em inúmeros cartazes, estreiam dois programas de televisão – nos dois canais mais vistos pelos portugueses: SIC e TVI – em que a mulher é tratada como objeto para proveito do homem.
Relembro que um dos alargados objetivos de toda esta luta no combate ao machismo é acabar com a imagem de uma mulher submissa, cujo único propósito é tratar da casa e dos filhos e agradar ao marido enquanto este se esperneia no sofá a ver futebol. No entanto, é neste contexto vivido atualmente que a SIC e a TVI decidem gravar um programa que sugere exatamente o contrário. Num deles, várias mulheres candidatas juntam-se numa festa – onde usam o melhor vestido acompanhado de salto alto e um penteado esmerado – com o intuito de impressionarem os cavalheiros para que estes, no final, as escolham para passarem à fase seguinte do processo de seleção de uma companheira. No outro, são as próprias mães dos concorrentes que, após uma conversa com as meninas para apurarem as suas qualidades e defeitos, escolhem as que mais lhe agradam para serem futuras esposas dos seus filhos. Durante esta “entrevista” entre possíveis sogras e noras, podemos ouvir perguntas como “Sabe cozinhar? O meu filho é de muito alimento!”. É aqui que me pergunto, mas então o filho desta senhora não tem dois bracinhos? Não é capaz de fazer as suas próprias refeições? Entrou neste programa à procura de uma esposa ou de uma empregada doméstica? Ou melhor… de uma segunda mãe? Sim, porque claramente está habituado a que lhe façam tudo em casa. Mas, não suficiente, ainda se ouvem outras perguntas como “E na lida da casa, há alguma coisa que não goste de fazer?” mais uma vez a denegrir o papel feminino e a recuar no tempo uns dez anos. E que tal se estas mães ensinassem os filhos a fazerem tudo, a serem Homens com h grande, independentes? A serem educados a fazer tanto em casa como as suas esposas, porque, afinal de contas, a comida é dos dois, a roupa suja é dos dois, a casa sujam-na os dois e a loiça a mesma coisa?
E é certo que as mulheres candidatas só estão lá porque querem, mas se calhar faria mais sentido pensar que estão lá porque são fruto de uma educação de uma sociedade machista. Porque cresceram a ver programas deste género, a acreditarem ser normal ter de agradar ao homem. A acreditarem que ter determinadas competências como serem boas cozinheiras é um requisito para serem a esposa perfeita. A acreditarem que o propósito das suas vidas é ser a esposa de alguém. E em relação aos canais televisivos aqui em questão, que estão conscientes do peso que têm na influenciação de quem os vê, deveriam ter isso em conta e, portanto, ter cuidado naquilo que escolhem passar ao invés de se preocuparem somente com as audiências
No entanto, – e penso que seja a única coisa boa que se possa retirar desta situação – as críticas de vários portugueses fizeram-se ouvir e o programa emitido pela TVI vai acabar mais cedo que o previsto. Em vez de ter nove episódios como foi originalmente previsto, irá ter somente três, terminando este domingo. Acredito que isto seja uma prova de que a mentalidade do nosso país esteja a mudar, embora lentamente, e que cada vez mais gente defenda o papel da mulher na sociedade. Se calhar – “se calhar” não, com toda a certeza – está mais que na altura de deixarmos de alimentar uma sociedade onde a imagem da mulher seja pensada com um avental agarrada aos tachos e panelas e pensar mais numa mulher independente, trabalhadora, capaz de se autossustentar financeiramente, de ser ela a pôr também a comida na mesa.
Rita Magalhães