Saio de casa – infelizmente, com imenso esforço, com a força levada pelo vento que me varre os cabelos, deixando-me ainda mais débil e menos preparada para enfrentar um dia prestes a começar.
O sol espreita numa frecha tímida que mal quer dar a cara e brindar as gentes que se levantam a horas indesejáveis. Os carros ouvem-se enfadonhamente, é a tecnologia a acordar aos poucos, a vida da cidade a despertar pelo mês do ano com categoria, todavia tudo isto provoca-me espécie, o que me obriga a arrastar a vista para o passeio onde mal consigo ver rostos, apenas caras escondidas.
(Ninguém quer estar vivo, parece-me. Nem eu, realmente.)
A cada esquina uma cara torta, um sufoco por respirar, uma ruga taciturna, uma vida por dentro daquele corpo que passa por ti e que desconheces a fisionomia. Às vezes, pergunto-me se caminham se correm. Ainda não consegui distinguir essas pessoas por aquelas que fazem realmente algum desporto. Nas cidades acorda-se com ar de corajoso, mas sem coragem. Talvez como em todo o lado. Existem algumas diferenças, algumas manias que a mim me repugnam – isso fica para outro texto, outra reflexão que me apeteça tecer.
Um dia, ia pelo meu caminho e cruzei-me com dezenas de mortos
(Não fiquem incrédulos. Foi verdade. Acontece-me frequentemente.)
Mortos vivos que rastejam pelo trajeto comum, trazendo tudo nos bolsos, tudo no peito, mas nada no olhar. Isto, porque não consigo captar olhares. As pessoas avançam, despreocupadas com o redor, com os pensamentos a encherem-lhes o cérebro, talvez, há quem não pense em nada e julgue que é tudo que lhes vai na cabeça, e assustei-me. Senti que estava a viver o Fear The Walking Dead.
As olheiras eram temerosas, carregavam angústias, por mais que a vida lhes obrigasse a disfarçar com o tempo, porque é ele que nos torna mais hábeis de alguma forma. Quis desejar os bons dias, quis até cumprimentar ainda que nem conhecesse o sujeito/a mórbido/a, porém, como de todas as vezes que estou naquela cidade, falta-se-me a coragem e reservo-me aos meus próprios pensamentos, como aqueles que estou a ter agora.
E penso: Amanhã, se tudo correr bem, terei uma nova oportunidade de não ser um morto vivo.
Ana Marques