A derrota da solidão

Esta é a proposta do governo britânico incutindo, inclusive, um Ministério no plano.

Nesta sociedade em que as distâncias se encurtam e as proximidades se afastam, a solidão é, infelizmente, uma realidade presente. Pertencemos cada vez mais a uma Humanidade que se esquece de prestar contas ao sólido dom do companheirismo.

A proposta para a abolição da solidão foi levada a cabo por Jo Cox, ministra que acabou por ser assassinada antes do Brexit, mas só em 2018 o projeto foi para a frente, como uma forma de prestar honras à antiga ministra, mas também com o intuito de resolver este problema que tantos atinge. O plano completo pode ser conferido aqui: www.jocoxloneliness.org/pdf/a_call_to_action.pdf

O que não partilhamos e expomos, eventualmente, enterra-se dentro de nós como que num processo de biodegradabilidade pejorativo. Segundo uma reportagem feita pelo The Guardian, a solidão é tão ou mais nociva e devastadora para a saúde como a obesidade e o próprio tabagismo.  Steve Cole (investigador americano) afirma que a solidão faz com que “o nosso sistema antiviral se desligue e comece a produção de moléculas muito inflamatórias”

A Internet e, principalmente, as redes sociais dão-nos uma falsa sensação de ligação ao outro, que todos sabemos ser falsa, mas, inevitavelmente, a procuramos. Faz parte do ser humano a necessidade de ser ouvido e, sobretudo compreendido, ter alguém para libertar os seus dilemas mais mesquinhos e insignificantes, não só os destaques e os falsos brilhantismos expostos na internet. O hábito da conversa de ocasião com o vizinho e do “bom dia” no cruzamento com algum desconhecido na rua vai-se perdendo até, por ventura, desvanecer totalmente.

O sentimento de comunidade vai desaparecendo para dar lugar a esta sociedade que já Fernando Pessoa descrevia como “Sistema de Egoísmos Maleáveis”.

Pessoa acrescentava ainda que “A vida social do homem divide-se, pois, em duas partes: uma parte individual, em que é concorrente dos outros, e tem que estar na defensiva e na ofensiva perante eles; e uma parte social, em que é semelhante dos outros, e tem tão-somente que ser-lhes útil e agradável. (…) A exacerbação, em qualquer homem, de um ou o outro destes elementos leva à ruína integral desse homem, e, portanto, à própria frustração do intuito do elemento predominante, que, como é parte do homem, cai com a queda dele.”

Com esta medida executada pelo Reino Unido, apercebemo-nos da ruína a que a sociedade chegou, através da morte social humana, que se foi degenerando à medida que a parte individual se foi exacerbando, até chegar a este colapso inevitável.

Onde existe abundância não há necessidade de partilha. Peguemos no exemplo dos países subdesenvolvidos africanos e façamos a questão: será que a solidão é uma patente na vida daquelas pessoas? Óbvio que não. Elas nada têm e, ao fim e ao cabo, só se têm a elas. As pessoas conquistarem o seu dinheiro e a sua independência faz com que, de maneira inevitável, deixem de sentir a necessidade de partilha. Isto porque já têm. Nos países subdesenvolvidos a partilha é procurada pela carência do meio. Os considerados melhores países para se viver têm as mais altas taxas de suicídio, por muito paradoxal que seja. Um aspeto significativo é as pessoas verem maioritariamente sucesso e prosperidade em torno delas, criando um desequilíbrio ainda maior com a carga de emoções tristes de cada indivíduo.

Em Portugal, este abalo também é ressentido, nunca se tomaram tantos antidepressivos como nos dias de hoje e nunca se viveu com tanto nervosismo acumulado como agora. No Japão existe o termo “Hikikomori” para designar as pessoas que se retiram totalmente da vida social e excluem qualquer contacto com o mundo. Esta “tendência” é vista como um problema de saúde pública e algo em combate por assistentes sociais e psicólogos do país.

Posto isto, a solidão pode ser uma mutação predominante no Mundo Novo. Algo que nos define e, um dia mais tarde, deixe de ser vista com estranheza para passar a ser vista como característica, comodismo inevitável, mal menor.

Talvez a solidão faça parte do leque de doenças do século XXI, talvez seja um problema do mundo novo, mas quando algo afeta tanto e tantos, dar-lhe ouvidos talvez não seja assim tão absurdo. Neste mundo cada vez mais fútil, os conceitos, também eles, vão perdendo significância. Confunde-se egoísmo com altruísmo, bajulação com comunicação e o inevitável parecer com ser. Todos eles rimam entre si, mas primam pela primazia com que são empregues. Que se distingam aqueles que o sabem distinguir!

(Não pondo com isto de parte a dádiva que é poder estar sozinho como quem chega ao fim do dia e se lava da multidão, mas tentando persuadir para que se diferencie estar sozinho por opção ou estar sozinho por falta de opções.)

“Em terra de ego quem vê o outro é rei.”

José Pedro Carvalho