Abro o meu antigo diário como quem encontra um tesouro esquecido. Não de ouro, mas de palavras inocentes. As páginas lutam contra o tempo e o cheiro do papel traz de volta um mundo em que a maior incerteza era se o gelado de morango era mesmo melhor que o de baunilha.
Cada linha escrita com uma letra pequena e torta traz consigo um “eu” que acreditava que o futuro era um lugar mais simples. “Quando eu crescer vou ser bailarina!”, uma doce certeza de que tudo era possível e como se a vida fosse um caderno com folhas infinitas onde todos os sonhos cabiam.
Mas será que o futuro tem folhas suficientes para todos os sonhos? Ou será que algumas páginas ficam, inevitavelmente, em branco?
Talvez crescer seja perceber que algumas linhas ficam por escrever, que certos parágrafos são riscados e outros escritos de novo. Será que a criança que desenhou corações nos cantos das páginas sabia que, um dia, a maior dúvida seria se “seguir o coração” é sempre o caminho certo?
E no meio de confissões inocentes e segredinhos sublinhados a caneta cor-de-rosa, surge a frase “E se não conseguir ser tudo o que quero?”
Ali estava a semente da incerteza, plantada cedo, por quem não sabia ainda o peso leve da infância.
Gosto de dizer que a vida é como a receita de um bolo. Começamos com ingredientes simples e a esperança de um resultado perfeito. Medimos sonhos e, com cuidado, misturamos planos e expectativas, na ordem que achamos ser a certa. Mas, por vezes, o bolo não cresce como esperávamos, fica cru no meio ou queima dos lados.
E agora…?
A pergunta incomoda e é inevitável, como um despertador numa segunda-feira de manhã. Surge quando o plano A falha, o plano B nem foi pensado e o plano C era torcer para o plano A dar certo.
E agora… talvez a vida seja mesmo feita de reticências que nos lembram que a história continua. Talvez a piada até esteja em não ter pressa para chegar ao ponto final. Porque, no fundo, o futuro nunca vem todo de uma vez. Ele chega em parágrafos curtos, em esboços e em notas de rodapé que acabam por dar sentido às partes que pensávamos já entender.
Beatriz Almeida