Cultura do Imediato – A nova lavagem cerebral

Cultura do Imediato – A nova lavagem cerebral

É um novo creme milagroso, capaz de tirar da pele as preocupações de décadas passadas, as linhas de expressão de rir e de chorar, e de se preocupar com as atrás mencionadas! É novo, muito bom, muito recomendado por uma celebridade que ninguém conhece, uma vedeta, mas nem assim tanto, que ganhou o seu estatuto de autoridade entendida em rugas e cremes de banha da cobra a fazer de conta que canta para uma câmara. Acho que faz sentido, não?

Mas se não for um creme, é um novo estilo, pensado ao milímetro e restrito e ai se um pé sair da caixa! Não pode. É uma nova caixinha, uma caixinha que obriga a uma reformação no guarda-roupa, a uma nova personalidade, a tudo novo, porque alguma criaturazinha num canto remoto da Internet assim decidiu. É a nova previsão de 2025! É preciso estar a par das trends. Isso já é tão 2024…

E é tudo tão esgotante. Talvez seja por isso que mais nada tenha aquele sentimento especial como antes o tinha. Já existe uma gaveta no armário cheia das coisas passadas, das modas que não duraram mais de duas semanas, porque nada é especial hoje em dia. Nada dura. E é tudo tão fugaz! Uma pessoa até se perde em si, numa constante crise de identidade, fomentada por um pequeno ícone, uma aplicação de fundo preto, mas muito colorida por dentro, que descarrega níveis falsos de dopamina no cérebro. Compra isto, veste-te assim, este produto vai mudar a tua vida, acredita em mim! Se fizeres esta rotina com trinta e sete passos e quarenta produtos antes de ir dormir, vais acordar com uma pele maravilhosa. E isto alimenta a caixinha dentro do crânio, que devora aquilo, como se não fosse nada mais que um macaquinho à procura da falsa felicidade, daquele sentimento de alívio ao ver figurinhas a mexerem-se no ecrã. Nunca antes se viu tamanho controlo. São amendoins atirados à nossa cara.

Perdemos a capacidade de foco, de esperar. Sim, esperar, pois tudo que vemos não passa de vídeos com quinze segundos. E isso já parece uma eternidade. Ninguém mais tem capacidade para aguentar dez minutos com a mesma cara. Isso é tão 2016…

Parece uma loucura, um futuro distópico. Infelizmente esse futuro chegou, é agora o presente e que presente nos trouxe! Uma janela de atenção baixa, quinze crises de identidade ao ano, consumo excessivo de bens materiais e falta de individualidade. Perdeu-se, simplesmente, a capacidade de se estar aborrecido, de passar pela onda do aborrecimento. Longe de perceber das ciências sobre os humanos, duvido, ainda assim, que o nosso cérebro tenha sido feito para estar a ser bombardeado, sem parar, com novas coisas. Vídeos felizes que nos põem com boa disposição e esperança no mundo, seguidos de vídeos depressivos que põem o nosso cérebro em curto-circuito.

É uma constante cansativa de “faz isto”, “compra aquilo”, “se a tua vida não é assim, então não prestas!”

É a cultura do imediato, da carneirada que não sabe para onde segue. Só conhece um barulho, o do cartão a passar na máquina. Não tem noção da rápida sucessão de vídeos sem forma, nem das vozes que ditam o que está in e o que está out.

Tudo isto é tão 1984…

Inês Brito