Após ser demitida do seu programa de televisão, Elisabeth Sparkle (Demi Moore) decide experimentar uma droga do mercado negro que cria uma versão mais jovem e aprimorada de si mesma. O problema surge quando a estrela se vê dividida entre as suas duas versões que devem coexistir enquanto navegam pelos desafios da fama e da identidade.
“A Substância” (2024) faz parte do género de filmes que eu apelido de “terror social”. Assim como em “Vendeta” (2017), Coralie Fargeat aposta numa crítica social da maneira mais grotesca possível, culminando num verdadeiro espetáculo de aberrações.
Dentro dos seus 140 minutos, o filme proporciona uma experiência intensamente frenética, prendendo o expectador do início ao fim mesmo nos momentos em queremos tapar os olhos por causa das anomalias corporais apresentadas em tela.
Acredito que o tato da diretora foi crucial para definir o tom e a natureza do filme, e a aposta num terror mais corporal foi um tiro muito certeiro. Na realização, Fargeat foi muito sugestiva e criativa, principalmente na escolha dos ângulos de câmara para a apresentação de alguns personagens propositalmente caricatos pelo texto.
Além disso, o filme faz rimas visuais ao fazer referências e homenagens a clássicos do terror, como “Psico” (1960) e “Shining” (1980), que complementam o que já foi estabelecido pelo texto anteriormente.
Já no argumento, a cineasta peca por cometer alguns erros de coerência que obrigam o espectador a ativar uma certa suspensão da descrença, principalmente no que toca às consequências que a substância proporcionou na vida de uma protagonista famosa. Contudo, isso não estragou a minha experiência com o filme, já que o próprio tom fílmico sugere uma aura fabulística mesmo sem inserir elementos fantasiosos. Por outro lado, acho que não há nenhuma fórmula literal sobre como um filme deve apresentar a sua narrativa e também como o espectador a deve interpretar.
Quanto ao elenco, Demi Moore e Margaret Qualley dividem o protagonismo eufemicamente com harmonia, e até diria que este filme foi muito inspirado na vida de Moore por causa de tudo o que atriz já passou, profissionalmente e pessoalmente, nas mãos de Hollywood. Denis Quaid também marca a sua presença como uma personalidade estilizada e caricata, funcionando como o personagem responsável, de certo modo, pelo fim da nossa protagonista.
A busca pela perfeição em “A Substância” (2024) é mais um acerto de Coralie Fargeat ao comparar a nossa passagem por este mundo como algo efémero, ao mesmo tempo que satiriza a ideologia do patriarcado como um dos responsáveis pela ruína do feminismo na sociedade.
Se levarmos para o lado literal, a forma como a própria substância é retratada no filme é uma crítica às consequências dos procedimentos estéticos em excesso, e isso fica mais evidente no psicótico ato final do filme.
De 0-5: 4,5
De 0-10: 9
Texto: Ivo Pereira
Imagem: Eduarda Paixão