O FC Porto levou um balde de água fria em tempo de compensação e empatou frente ao Manchester United a três bolas, na segunda jornada da Liga Europa, somando os primeiros pontos na competição.
Ora, à partida para este jogo, em nada se podia descurar o que tinha acontecido na Noruega, onde o FC Porto foi (quase vergonhosamente, digamos) derrotado pelo Bodo/Glimt, o que reduziu imenso a margem de erro dos dragões nesta fase da competição, muito por culpa da extensa e despreocupada rotação de Vítor Bruno, levando a uma escorregadela contra um dos adversários onde os três pontos pareciam garantidos.
Assim, no Dragão, Vítor Bruno fazia apenas uma alteração face à equipa que venceu o Arouca no fim de semana, trocando Vasco Sousa por Stephen Eustáquio, e mantinha Galeno e Pepê no apoio a Samu (e Otávio fora das opções). Além disso, a equipa apresentou-se num 4-4-3 mais declarado, em vez do habitual 4-2-3-1, com Nico González a baixar para o lado de Stephen Eustáquio, à frente de Alan Varela.
Do outro lado, uns “red devils” que empataram com o Twente na primeira jornada e que estão a realizar um dos piores arranques de temporada de sempre, o pressionado Erik ten Hag apostava em Diogo Dalot e Bruno Fernandes no onze e tinha Højlund como referência ofensiva, sendo que Casemiro também era titular e reencontrava-se com os dragões.
O embate com aroma a 2004, com cheiro a Costinha, arrancou como acabou: frenético e louco. Dos cinco primeiros remates à baliza, saíram quatro golos, em 34 minutos iniciais em que houve tempo para rasgar a carta de despedimento de Ten Hag, ouvir assobios do Dragão à sua própria equipa, reescrever a carta de despedimento de Ten Hag e ouvir aplausos do Dragão à sua própria equipa. O United é tão caótico que, no fim de contas, a carta de despedimento que foi escrita, rasgada e reescrita ficará, na verdade, no mesmo local de sempre, uma crónica de um despedimento anunciado que acabará por, mais tarde ou mais cedo, inequivocamente suceder.
Diria, por isso, que se o Manchester United tem sido, na última década, um clube caótico, irregular, completamente à deriva e sem cumprir com as elevadas expectativas constantemente depositadas sobre o mesmo, talvez Marcus Rashford seja o jogador que melhor abraça esse espírito. Um talento enorme, de potencial brutal, mas inconstante, um atacante que poderia ser um muito titulado futebolista, mas ao nascer neste tempo é só mais um foco da ira desta era tenebrosa em Old Trafford.
A verdade é que, no jogo 500 realizado no Estádio do Dragão, e apesar de o FC Porto ter começado o jogo de forma astuta, a assustar André Onana, o internacional inglês espalhou o seu cartaz de virtudes. Um velocista com técnica, um homem que se esconde na esquerda e parte para dentro, encarando no drible com intenção e vertigem. Foi um pesadelo para João Mário, que nem com a ajuda de Eustáquio conseguiu travar o inglês na ação do 1-0, logo aos sete minutos.
O FC Porto até reagiu, mas tudo ficaria pior pouco depois: novamente pela esquerda, Eriksen soltou Rashford, o inglês assistiu Hojlund e o avançado também atirou rasteiro, com Diogo Costa a tocar ainda na bola sem conseguir evitar o dilatar da vantagem – e a ficar novamente mal na fotografia, diga-se de passagem.
À passagem dos primeiros 20 minutos, o FC Porto estava a perder no Dragão de forma manifestamente injusta, já que estava por cima do jogo e só podia queixar-se da própria ineficácia e da tremenda eficácia inglesa — que tinha o seu expoente na ala esquerda, onde João Mário, com pouca ajuda de Pepê, ia tendo muitas dificuldades para travar um inspirado Rashford. Ainda assim, a primeira parte ainda tinha muito para contar.
Assim sendo, ainda antes da meia-hora, recuperando alguma justiça no resultado, Pepê aproveitou um cabeceamento de Mazraoui, na marcação a Samu, que Onana defendeu para a frente para desviar na recarga e reduzir a desvantagem. Sete minutos depois, o mesmo Samu apareceu a cabecear na pequena área, antecipando-se a De Ligt e, na sequência de um cruzamento de João Mário na direita, para marcar pelo quinto jogo consecutivo e empatar, à passagem do minuto 34. Ao intervalo, estava, então, tudo empatado no Dragão.
De forma algo surpreendente, Erik Ten Hag mexeu logo ao intervalo e tirou Rashford, que estava a ser o melhor elemento do Manchester United e antecipando-se uma eventual lesão do avançado inglês, para lançar Alejandro Garnacho. Contudo, a primeira situação de perigo da segunda parte pertenceu mesmo ao FC Porto, com Francisco Moura a aparecer quase isolado na esquerda e a rematar rasteiro para uma defesa importante de Onana.
Pouco depois, porém, Pepê acelerou na direita, depois de um passe muito inteligente de Nico, e colocou rasteiro na área: Samu, novamente à frente de De Ligt, muito por mérito do avançado espanhol, que se antecipou novamente ao central neerlandês, atirou forte e de primeira para bisar e carimbar a reviravolta dos dragões.
O Manchester United procurou reagir, mas o FC Porto parecia ter as ocorrências controladas e nunca era apanhado em desorganização defensiva ou descompensação posicional.
Vítor Bruno mexeu pela primeira vez à passagem da hora de jogo e demonstrou clara preocupação com o que Garnacho podia fazer na esquerda, trocando Martim Fernandes por Pepê, colocando o jovem lateral na direita da defesa e João Mário mais adiantado no corredor. Erik Ten Hag respondeu com Antony e Zirkzee, numa espécie de “all-in” ofensivo, mas os ingleses continuavam desinspirados e não conseguiam criar verdadeiras situações de perigo à exceção de remates de meia-distância, como aconteceu, por uma ou outra vez, com Bruno Fernandes.
E, já dentro dos últimos dez minutos, quando Vítor Bruno já tinha lançado Deniz Gül, Fábio Vieira e Grujic (para os lugares de Samu, João Mário e Eustáquio, respetivamente) para procurar ter alguma bola, Bruno Fernandes viu o segundo cartão amarelo e foi expulso pelo segundo jogo consecutivo – o internacional português atacou uma bola fora de tempo, raspando a cabeça de Nehuén Pérez com o pé e acabou expulso, sob uma assobiadela monumental -, deixando os ingleses em inferioridade numérica para a ponta final da partida.
No entanto, e há que realçar esta questão, a partir do 3-2, o FC Porto retraiu-se e encolheu-se muito (demasiado, até), pese embora tenha tido nos pés de Deniz Gül a oportunidade para “matar” o jogo, só que o sueco atirou rasteiro para uma defesa importantíssima de André Onana. De facto, esperava-se que, ainda por cima a jogar em superioridade numérica, os dragões pudessem e, sobretudo, conseguissem controlar o jogo com bola, obrigando os ingleses a correr e a desgastarem-se, mas não foi isso que aconteceu, de todo. Isto porque os pupilos de Vítor Bruno cederam toda a iniciativa aos “red devils”, que chegaram mesmo ao empate, já ao cair do pano.
Enquanto Vítor Bruno parecia um polícia sinaleiro cujas ordens ninguém respeitava, gesticulando para todos os lados no banco, o United encostava o FC Porto à sua baliza. Diogo Costa ainda travou um grande tiro de Garnacho, mas o balde de água fria para os azuis e brancos chegou aos 90+1’, quando, na sequência de um canto, Harry Maguire se impôs na área e cabeceou para o 3-3 final.
FC Porto e Manchester United empataram, então, no Dragão e continuam ambos sem ganhar na Liga Europa, sendo que os dragões somam apenas um ponto em duas jornadas na competição europeia. Num dia que chegou a parecer épico, com a reviravolta alcançada depois de ter dois golos de desvantagem, os portistas não conseguiram segurar os três pontos no seu próprio reduto.
Homem do jogo
Nem sempre é o mais capaz do ponto de vista técnico, mas é exatamente o ponta-de-lança que o FC Porto necessitava: voraz e capaz na hora de finalizar. Marcou mais dois e soma já sete golos em seis jogos.
Texto: Raúl Saraiva
Imagem: UEFA