Mais um banho de realidade gelada em cima do Dragão. O FC Porto foi, esta quarta-feira, à Noruega perder com o Bodo/Glimt por 3-2, em partida da 1.ª jornada da fase de liga da Liga Europa. Os azuis e brancos marcaram primeiro, mas sofreram três golos depois, um deles marcado quando o Bodo/Glimt jogava com menos um. Deniz Gül ainda reduziu, mas os portistas já não foram a tempo de conseguir, pelo menos, pontuar.
Ora, a Liga Europa tem sido, nos últimos anos, vista algo de lado pelas hostes portistas, quase como uma competição “a mais”, como se fosse tudo menos a prova do FC Porto. A verdade é que, agora, esta mesma competição funciona como uma “prova” para este FC Porto.
Arredado da fase de grupos da Liga dos Campeões, prova onde permanece no top 5 dos clubes com mais participações desde que foi remodelado pela primeira vez o modelo competitivo da antiga Taça dos Clubes Campeões Europeus em 1992, a equipa azul e branca começava na Noruega a participação no novo formato de grupo da Liga Europa. Não era um início fácil, tal como não será o calendário portista daqui para a frente, ao contrário do que tem sido veiculado por alguns entendidos. Isto tudo ainda menos depois de ter sido partilhado o estudo do supercomputador da Opta, que coloca os dragões como principal favorito à vitória final à frente de Athl. Bilbao, Tottenham, Roma, Manchester United ou Lazio, entre outros. Uma responsabilidade enorme para os pupilos de Vítor Bruno, portanto.
Peso e responsabilidade a mais para uma equipa e um clube que estão a trabalhar no início de uma nova era? Nem por isso. E se foram vários os pormenores na viagem para o encontro com o Bodo/Glimt que mostraram outra vez essa viragem, do programa distribuído a toda a logística com parceiros, passando por toda essa proximidade jogadores-adeptos que tem sido cultivada, André Villas-Boas, antigo vencedor da competição que assumiu a presidência há quase cinco meses, mantinha a tónica de separar aquilo que é uma mudança de paradigma no Dragão e a “obrigatoriedade” pelo prestígio e pela história de lutar por todas as provas.
O problema é que a primeira impressão não foi essa, a começar pelo onze escolhido por Vítor Bruno, já a pensar nos próximos (duros) duelos. Isto porque o técnico, de 41 anos, lançou Marko Grujic, Gonçalo Borges e Iván Jaime, nos lugares de Alan Varela, Pepê e Wenderson Galeno, em relação à equipa que venceu o Vitória SC na Primeira Liga.
Posto isto, os dragões tentavam repetir a história, ou seja, vencer na Noruega: a última vez que tal aconteceu foi há 23 anos na Champions (setembro de 2001), quando Deco e Pena marcaram os golos da vitória do FC Porto frente ao Rosenborg, na Champions.
Ora, com Grujic a assumir o lugar de Alan Varela e Samu Aghehowa – chamemos-lhe assim em respeito da vontade do avançado em ter cunhado o apelido da mãe – a contar com o apoio de Gonçalo Borges e Iván Jaime em vez de Galeno e Pepê (de notar que, no caso do espanhol, os seus movimentos para dentro permitiam que Francisco Moura ficasse com todo o flanco esquerdo), o FC Porto até teve uma boa entrada logo com um remate de meia distância de Iván Jaime no minuto inicial para defesa segura de Haikin mas não conseguiu de seguida travar duas saídas rápidas do Bodo/Glimt que por pouco inauguraram o marcado, com Määttä a atirar na área para defesa atenta de Diogo Costa para canto e Högh a saltar mais alto do que os centrais azuis e brancos para desviar de cabeça um cruzamento da direita por cima.
A vertigem dos noruegueses criou uma sensação de tontura aos portistas, mas o calmante da ordem não demorou a chegar: Gonçalo Borges cruzou largo na direita, Francisco Moura foi ao segundo poste fazer a assistência para a pequena área e Samu surgiu de rompante para desviar de cabeça e fazer o quarto golo noutros tantos jogos.
Logo de seguida, em mais um grande movimento com assistência de Eustáquio, o campeão olímpico de Paris teve mais uma oportunidade para marcar, mas o remate descaído sobre a direita passou ao lado.
O encontro ia sendo desenhado em dois planos distintos: quando o FC Porto pressionava alto, cortava espaços e atacava de forma organizada, o encontro ganhava um sentido único; quando o Bodo/Glimt conseguia descobrir algum espaço para saídas rápidas que muito facilmente contavam com vários jogadores em zonas de finalização no epílogo da jogada, criava perigo. Não foi à primeira, não foi à segunda, foi mesmo à terceira: Nehuen Pérez falhou o timing de saída para criar o fora de jogo e Högh aproveitou para isolar-se e fazer o 1-1, mesmo sob pressão de Diogo Costa.
O guardião portista era, aliás, dos melhores em campo e, depois de negar o 2-1 aos 31 minutos, viu os noruegueses fazerem a reviravolta aos 40 minutos. Futebol simples, com a bola a ser colocada por Högh para Saltnes, que ganhou entre os centrais, rodou e serviu Jens Petter Hauge para um remate colocado, de fora da área. Estava consumada a reviravolta a favor da formação norueguesa.
Assim sendo, num jogo com características meio estranhas, o FC Porto passava de vencedor a vencido sem que com isso deixasse de aparentar sempre que, cumprindo o plano delineado para anular os pontos fortes da formação norueguesa e potenciando as lacunas sobretudo em termos defensivos, era melhor.
A noite que ia ficando cada vez mais fria estava a tornar-se gelada para os azuis e brancos e Vítor Bruno seguia para o balneário com várias correções por fazer em todos os setores, até porque este jogo era um exemplo de como os erros atrás começavam em más zonas de pressão e de como os problemas à frente tinham início na construção a partir de trás.
Sem trocar jogadores, mas a mexer em movimentos e posicionamentos individuais e coletivos, o FC Porto viu a segunda parte começar com as mesmas características, tendo, ainda assim, ganho uma “vida extra” por erros próprios do Bodo/Glimt, neste caso com Määttä, que já tinha um amarelo, a ter uma simulação caricata na grande área azul e branca e, por isso, ver o segundo cartão amarelo e consequente vermelho, aos 51’.
Pepê e Galeno aceleraram de imediato o aquecimento, mas, pouco depois de entrarem (saíram Eustáquio e Gonçalo Borges), a missão ficou mais complicada: Iván Jaime (que poderia muito bem ter saído na vez de Eustáquio, pois não estava a ter um jogo conseguido, quer com bola, quer sem bola) perdeu a bola no meio-campo contrário, ficando a queixar-se de falta, o Bodo/Glimt colocou o esférico em Hauge com dois passes diagonais e o avançado superou Zé Pedro a puxar para dentro e a rematar para o 3-1, à passagem do minuto 62. Mais uma vez, a abordagem ultra-ofensiva de Vítor Bruno levou a que o extremo do emblema nórdico encarasse Zé Pedro e a que este expusesse dificuldades lamentáveis no um para um, exposto, diga-se, pela ausência de João Mário.
O encontro entrava agora na fase do tudo ou nada para o FC Porto, com Vítor Bruno a promover também as duas estreias de Rodrigo Mora e Deniz Gül para passar a ter apenas Nico González como referência no meio-campo tendo depois dois alas, dois avançados e o jovem jogador de 17 anos a procurar espaços entre linhas.
A verdade é que o Bodo/Glimt se mostrava confortável com as características que o jogo tinha ganho, mantendo as saídas tendo Hauge como referência que continuaram a deixar o FC Porto em sentido e refém do brilho de Diogo Costa, que evitou o 4-1 de Saltnes, antes de Haikin tirar o golo por duas vezes a Pepê e Deniz Gül assinalar os primeiros minutos oficiais pelos dragões.
De facto, o avançado sueco reduziu mesmo para 3-2, já perto do fim, na sequência de um canto, mas, já sem tempo, a aflição esmagara qualquer ideia ou estratégia, pelo que o FC Porto saiu mesmo derrotado da visita ao Círculo Polar Ártico, somando, assim, a segunda derrota da temporada.
Altura para relembrar que não é por acaso que já muitos grandes emblemas caíram no norte da Noruega (recorde-se a goleada sofrida pela AS Roma neste terreno, por 6-1).
Homem do jogo
O atacante norueguês foi, de longe, o melhor jogador em campo. Marcou dois golos, fez uma assistência para Kasper Hogh e foi um verdadeiro pesadelo para a defensiva azul e branca (Zé Pedro que o diga). Ficou apresentado para quem já não se lembrava dele. Craque.
Texto: Raúl Saraiva
Imagem: UEFA