As férias chegaram, e com elas o desejo de descansar e aproveitar ao máximo, mas já sentiste que não estás a ter as férias que desejavas? A verdade é que as férias não são um conto de fadas para todes, e muitos desafios podem surgir. Embora se assuma que os períodos de férias, seja do trabalho ou da escola, são benéficos para todas as pessoas, aumentando o bem-estar (McCabe, 2013, citado em Randle et al., 2019), essa hipótese não é inteiramente corroborada pela literatura. Estar de férias tem efeitos diferentes no bem-estar das pessoas, não aumentando de igual forma a qualidade de vida de cada uma. Esta disparidade é provocada por diversos fatores (Dolnicar, 2012, citado em Randle et al., 2019). Vem descobrir mais sobre este tema.
“O direito a férias deve ser exercido de modo a proporcionar ao trabalhador a recuperação física e psíquica, condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação social e cultural” (artigo 237.º, CT) (Diário da República). Estabelecido na lei como um direito, a bibliografia confirma que os períodos de férias estão associados a melhorias de curto prazo em variáveis relacionadas à saúde mental e também de queixas físicas (Strauss-Blasche et al., 2005). Os fatores mais claros apontados como a causa destas melhorias são a diminuição do stress em tempo de férias e o aumento do tempo pessoal útil (Strauss-Blasche et al., 2005). Strauss-Blasche et al. (2005), verificaram que indivíduos que tinham locais de trabalho mais stressantes obtiveram valores mais significativos de recuperação durante as férias, principalmente quando os empregos envolviam tensão psicológica: quer isto dizer que se a tua área de trabalho ou estudo foi stressante, mais compensatórias vão ser as férias. Além disso, vários outros fatores têm efeito na qualidade da recuperação física e psíquica da pessoa que trabalha. Segundo o modelo PERMA, desenvolvido por Martin Seligman, existem 5 domínios essenciais para o bem-estar pessoal: Positive Emotions (Emoções Positivas), Engagement (Compromisso), Relationships (Relações), Meaning (Significado) e Achievement (Realizações) (Cuthbert & Filep, 2013). A recuperação durante o período de férias relaciona-se com a sensação de bem-estar pós-trabalho, que, segundo o autor, é alcançada pela satisfação destes domínios (Cuthbert & Filep, 2013).
Como se relacionam os 5 pilares do bem-estar (PERMA) com as férias?
Já fizeste uma viagem que te “renovou” quando voltaste a casa? Ou tiveste um tempo de descanso em casa, com a família que te fez sentir com mais energia? Estas experiências de bem-estar são explicadas pelo modelo PERMA.
O decorrer das férias, motivado por emoções positivas desenvolvidas desde a planificação, é um dos preditores mais fortes de recuperação (Strauss-Blasche et al., 2005). Segundo Seligman, sentimentos de gratidão, prazer e serenidade conduzem a uma satisfação imediata que promove o bem-estar, dessa forma, começar as férias com a imagem de atividades relaxantes e que exigem pouco esforço alimenta e potencia o sucesso das mesmas (Cuthbert & Filep, 2013).
O engagement (Compromisso) refere-se à capacidade de imersão numa atividade, por exemplo, ficar fixo a observar os detalhes de um monumento no sul de Espanha. As férias também possibilitam conhecer pessoas novas, reencontrar e ter mais tempo para a família, o que, para Seligman, se relaciona com a qualidade e quantidade de relações que influenciam o bem-estar. Por isso, este período pode contribuir para esse requisito (Cuthbert & Filep, 2013).
O meaning ou, em português, Significado, refere-se a uma componente mais pessoal, na qual se descreve a perceção que a pessoa tem das suas ações e qual o significado que lhes atribui. O bem-estar está dependente deste pilar, beneficiando quando existe uma perceção positiva da vida. As férias são muitas vezes o momento propício para a reflexão sobre os valores e propósitos da pessoa, devido ao maior tempo livre, mas podem também ser períodos nos quais se praticam atividades que criam a sensação de propósito, como voluntariado (Cuthbert & Filep, 2013).
A accomplishment (Realização) envolve a sensação de competência e sucesso, de atingir metas e superar desafios que promovem a realização pessoal. Durante as férias, a concretização de viagens ou a análise do que foi realizado durante o tempo laboral contribuem para o fortalecimento deste pilar (Cuthbert & Filep, 2013).
Uma das melhores formas de pôr em prática o desenvolvimento dos pilares do bem-estar e obter mais benefícios durante as férias é sair da zona de conforto. Apesar de não ser uma mudança imediata, a exposição a longo prazo a novas experiências e ao incerto aumenta a habilidade emocional, empatia e criatividade (Kashdan, 2018).
Embora a Psicologia comprove os benefícios que as férias oferecem, nem sempre é tarefa fácil deixar de lado as responsabilidades ou manter a “cabeça” longe dos problemas, o que se traduz em vários efeitos negativos, como o stress, ansiedade e até mesmo depressão, em alguns casos (Strauss-Blasche et al., 2005). Se já te sentiste assim durante as férias, fica a saber que é bastante comum. Existem alguns fatores, no que toca ao antes e ao próprio decorrer das férias, que podem aumentar a probabilidade destes efeitos negativos ocorrerem. Alguns exemplos são: as expectativas que se criam e que podem falhar, uma vez que é comum passar muito tempo a planear as férias para que estas sejam o mais perfeitas possível, mas por vezes haver constrangimentos (Parreira, 2022); o desejo de ser produtivo, que pode surgir ao ter tanto tempo disponível, mas que torna difícil retomar tarefas de lazer que dão conforto ou prazer (Parreira, 2022); e ainda o sono, que não sendo de boa qualidade e reparador, pode aumentar o cansaço, o mau-humor e até ser favorável para que alguns problemas de saúde apareçam (Parreira, 2022). Para muitas pessoas, ir de férias não é sinónimo de deixar o trabalho de lado por completo e, na pressa por acabar tudo a tempo, ou até mesmo por não estar a conseguir descansar como se deveria, os sentimentos de culpa acompanhados de exaustão também são recorrentes (Parreira, 2022).
Segundo Strauss-Blasche et al., (2005), a melhora do humor atinge o pico numa média de 7 dias, com melhoria mais acentuada nos primeiros 3 dias, sendo necessário pouco tempo de férias para se verificarem melhorias no bem-estar, no entanto várias pesquisas apontam para que embora os efeitos negativos não se verifiquem para todes da mesma forma, após as férias os indicadores de bem-estar retornam aos níveis anteriores em apenas algumas semanas, e por isso, os efeitos favoráveis desaparecem pouco tempo depois (Kühnel & Sonnentag, 2010).
Para além de todas as consequências já referidas e ao contrário da ideia de que as férias são importantes para todes, algumas evidências mostram que as pessoas variam bastante na forma como as férias realmente melhoram a sua qualidade de vida. Esta variação deve-se especialmente aos desafios que cada pessoa enfrenta ao longo da vida, que vai de encontro a uma teoria importante estudada na Psicologia, a chamada Hierarquia de Necessidades de Maslow, que afirma que necessidades consideradas de ordem superior, como as férias, só são realizadas após as necessidades de ordem inferior, como saúde ou trabalho, serem atendidas (Maslow, 1954, as cited in Randlea et al., 2019). Ao contrário do que se pode pensar, pessoas que estejam sem emprego ou a enfrentar problemas de saúde tendem a interpretar as férias como mais importantes, como uma oportunidade para cuidarem melhor de si próprias e de terem um tempo para procurar ativamente emprego. No entanto, as barreiras económicas e o pouco tempo disponível são limitantes, impedindo-as de tirar tantas férias quanto gostariam (Kakoudakis et al., 2017, as cited in Randlea et al., 2019). Já pessoas que possuem um poder de compra mais limitado e um nível elevado de stress no trabalho, têm tendência a reduzir a importância e interesse nas férias, uma vez que estas podem agravar estes desafios em vez de os resolver (Randlea et al., 2019). Se reparaste no início do texto, apesar das pessoas com trabalhos mais stressantes idealizarem menos as férias, obtêm os melhores resultados de recuperação pós-férias, o que evidencia a importância e benefícios que as férias podem trazer, além das consequências (Strauss-Blasche et al., 2005).
Assim, quer sejas une empresárie com dificuldade em aproveitar as férias porque o trabalho te chama mais forte, ou une estudante universitárie a tentar dar sentido aos longos meses sem rotina que o verão traz consigo, não te aflijas, porque há estratégias que podes utilizar para conseguires dar proveito às tuas merecidas férias.
Se, no teu caso, tens dificuldade em sentir que as férias correspondem às expectativas que criaste, podes tentar entender o que é que realmente desencadeia a forma como te sentes e trabalhar à volta disso. Por exemplo, através de um uso diferente do tempo livre, como passar tempo com familiares e amigos, ou praticar um hobby novo (Parreira, 2022). Se sentes que a produtividade é algo que não queres deixar para trás, procura criar e manter uma rotina para o teu tempo de férias. Uma rotina personalizada, que atenda aos teus gostos e necessidades, na qual consigas planear os momentos de produtividade que sentes que precisas de ter e os momentos de lazer de que mereces disfrutar (Parreira, 2022). Além disso, se para ti as férias trazem consigo sentimentos de culpa e exaustão, experimenta algo relaxante como meditação. Procura libertar a cabeça daquilo que te distrai do bom valor das férias, como pode acontecer com as redes sociais. Fazer uma pausa das mesmas pode trazer muitos benefícios (Parreira, 2022).
Seja qual for o cenário com que mais te identifiques, faz do sono uma prioridade, já que a falta dele está na base de muitos dos problemas que podem surgir. Se sentires que precisas de algo mais para conseguires desfrutar das férias, podes sempre procurar ajuda profissional, junto de um profissional qualificado (Parreira, 2022).
Referências Bibliográficas
Cuthbert, R., & Filep, S. (2013). Vacation rules: A guide to travel happiness. Vacation Rules. https://books.google.pt/books?id=9jmuu889YrAC
Diário da República. (2009). Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro). https://diariodarepublica.pt/dr/legislacao-consolidada/lei/2009-34546475-46747175
Kashdan, T. B. (2018, January 3). The mental benefits of vacationing somewhere new. Harvard business review. https://hbr.org/2018/01/the-mental-benefits-of-vacationing-somewhere-new
Kühnel, J., & Sonnentag, S. (2010). How long do you benefit from vacation? A closer look at the fade-out of vacation effects. Journal of Organizational Behavior, 32, 125-143. https://doi.org/10.1002/job.699
Parreira, M. (2022, agosto). Estou de férias… e não, não está tudo bem. NeuroGime. https://www.neurogime.pt/neuroblog/estou-de-ferias-e-nao-nao-esta-tudo-bem
Randlea, M., Zhang, Y., & Dolnicar, S. (2019). The changing importance of vacations: Proposing a theoretical explanation for the changing contribution of vacations to people’s quality of life. Annals of Tourism Research, 77, 154-157. https://doi.org/10.1016/j.annals.2018.11.010
Strauss-Blasche, G., Reithofer, B., Schobersberger, W., Ekmekcioglu, C., & Marktl, W. (2005). Effect of vacation on health: Moderating factors of vacation outcome. Journal of Travel Medicine, 12, 94-101. https://doi.org/10.2310/7060.2005.12206