Não era este o guião desejado

Não era este o guião desejado

Portugal está fora do Euro 2024. A seleção nacional perdeu diante da França por 3-5 nas grandes penalidades. Tanto medo se sentiu contra a Eslovénia, tanta confiança havia desta vez e tudo saiu trocado. Portugal está fora do Euro num jogo onde quis e foi melhor do que a França. Não chegou, porque, desta vez, os penáltis caíram para o outro lado. João Félix acertou no poste, Diogo Costa não conseguiu defender nenhum e a prestação lusa fica por aqui.

Tal como se esperava, Roberto Martinez não fez alterações no onze que entrou em campo nos ‘oitavos’ diante da Eslovénia. Destaque para Cristiano Ronaldo que chegou aos 30 jogos em fases finais de Europeus. Um recorde difícil de alcançar. Já no lado francês, Didier Deschamps lançou Eduardo Camavinga no lugar do castigado Adrien Rabiot e, na frente, Kolo Muani foi a aposta, no posto de Marcus Thuram. Ao ser titular, Antoine Griezmann chegou os 16 jogos em Europeus, igualando o recorde francês de Lilian Thuram, precisamente o pai de Marcus Thuram.

Amarrada, qual final, a partida começou com ascendentes moderados. Aos primeiros minutos franceses, Portugal respondeu com largo domínio com bola. Com exceção de uma meia distância de Theo Hernández parada por Diogo Costa e de uma arrancada do discreto Mbappé, em minutos seguidos a meio da primeira parte, não se sentiu que fosse uma França capaz de incomodar.

Maioritariamente, as ideias foram de Portugal. Em aceleração pela esquerda (muitas vezes Leão a levar vantagem a Koundé), mais trabalhado pela direita, onde se viu um melhor Bernardo, as ações portuguesas foram, acima de tudo, promissoras. A uma pressão muitas vezes alta dos franceses, os lusos responderam com sabedoria na saída para que depois houvesse espaço. Faltou definição, perante uma França cautelosa e nada permeável com os três médios de contenção, mas serviu para perceber que, perante tão poderosa equipa, soube ser capaz de dominar.

Mbappé não desequilibrava, Ronaldo nada podia contra Saliba, a calma em pessoa. Aliás, devem-se contar com poucos dedos as vezes que Cristiano tocou na bola na 1.ª parte (e na segunda o cenário não mudou muito). Na área portuguesa, um roubo providencial de Pepe a Kolo Muani lembrou-nos que dentro daqueles 41 anos ainda há um sentido posicional admirável, e João Palhinha foi afastando outras bolas de potencial perigo.

Já perto do intervalo, uma novidade: num livre direto, foi Bruno Fernandes a rematar e não Ronaldo. O resultado, no entanto, não seria muito diferente. Mas apesar da falta de balizas, do risco controlado de ambas as equipas, o jogo estava taticamente curioso, tecnicamente interessante.

Após o intervalo o jogo voltou mais espicaçado, com um frenesim – um calmo frenesim, ainda assim – que não tinha tido nos primeiros 45 minutos. França mais afoita e com dois lances de relativo perigo, um remate de Mbappé após combinação à entrada da área com Kolo Muani e depois um cruzamento tenso de Koundé que não encontrou destinatário. Portugal tentava com transições, nem sempre bem-sucedidas. Nuno Mendes, depois de ultrapassar em velocidade um rival, preferiu a simulação (de novo) na área – por sorte, o amarelo ficou no bolso de Michael Oliver.

Assim, os espaços surgiram finalmente na abertura da segunda parte. À hora de jogo, três excelentes hipóteses de marcar, uma por Bruno (passe fantástico de Cancelo), outra por Vitinha e ainda pelo próprio Cancelo. Um par de minutos que teve tudo para resultar, mas não resultou.

O primeiro a mexer foi, obviamente, Deschamps. E bastaram dez minutos de Ousmane Dembelé em campo para se encontrarem as maiores debilidades portuguesas. Estavam no lado esquerdo. Rafael Leão nunca ajudou a defender (provavelmente, com instruções para isso), Nuno Mendes ficou desamparado e Pepe nem sempre o conseguiu cobrir convenientemente. Uma, duas, três oportunidades, que felizmente as podemos chamar com esse nome, uma vez que Rúben Dias salvaria, do outro lado, Portugal, com um corte providencial a um remate de um isolado Kolo Muani. Camavinga também ficou a centímetros, após passe do tal Dembelé, que entrou muito bem para a vez de um apagado Griezmann.

A 15 minutos dos 90’, Martínez refrescou o lado direito, com Nélson Semedo e Francisco Conceição a irem a jogo, saindo João Cancelo e Bruno Fernandes. Bernardo Silva passou, por isso, a pisar terrenos ainda mais centrais. O jogo estava, então, mais parado, depois daquela meia hora de faca na boca.

A castigar um dos únicos momentos em que Saliba foi ultrapassado, Ronaldo marcou mais um livre lateral que deveria absolutamente ter sido um cruzamento para a área e o duelo ia caminhando para um prolongamento que parecia anunciado. Bernardo Silva ainda teve hipóteses para um remate na área francesa e do outro lado Pepe festejou mais um corte importante, agora ao fisicamente imponente Marcus Thuram, como se fosse um golo.

Até ao prolongamento, pouco mais se registou em termos ofensivos. Mais bola para Portugal, saídas pouco conseguidas pela França (Palhinha viu amarelo a travar uma dessas e sairia aos 90’ para dar lugar a Rúben Neves).

O prolongamento, o segundo consecutivo para Portugal, começou com uma incursão heroica de Francisco Conceição pela direita, oferecendo de bandeja o golo a Cristiano Ronaldo, que rematou muito por cima. Uma oportunidade flagrante que o capitão, em outros tempos, não perdoaria.

Dembelé era o carregador de piano de França, avançando desenfreadamente pelo terreno. Aos 97’, podia ter rematado, mas optou pelo passe para Mbappé, que atirou para corte da defesa portuguesa. Pouco depois, um tiro de Leão na área deu a nítida sensação de ir à baliza, mas o remate foi travado por Upamecano. Havia mais Portugal que França por esta altura.

Mbappé, a jogar em visível sofrimento depois de uma bola na cara na segunda parte, saiu no intervalo do prolongamento, altura em que Roberto Martínez lançou João Félix, que ia marcando logo de cabeça, após cruzamento para o segundo poste de Francisco Conceição. Bradley Barcola, substituto de Mbappé, vendo as portas fechadas de outra maneira – grande jogo defensivo de Portugal – tentou a jogada individual já o jogo piscava os olhos aos penáltis, mas o remate foi à malha lateral.

E já com o relógio a bater nos 120′, um ataque rápido e combinação entre Bernardo e Nuno Mendes podia ter causado muito mais perigo se o lateral do PSG tivesse rematado com o pé esquerdo.

Nos penáltis, os franceses chegaram com a lição estudada, perante o muro chamado Diogo Costa. O poste travou o remate de João Félix e uma viagem até às meias-finais que Portugal, ao contrário de outros jogos, fez por merecer. O pós-Europeu terá, ainda assim, de ser de reflexão, de tentar perceber que passo falta para sair destas competições mais tarde, se possível com a taça. Olhar para o futuro pode ser um bom início.

A França volta a levar a melhor sobre Portugal em jogos a eliminar, tal como fez nas meias-finais, dos Europeus de 1984 e 2000, e do Mundial de 2006. Antes, a seleção lusa tinha batido os franceses na sua casa, em Paris, na final do Euro 2016.

Nas meias-finais, a França vai medir forças com a Espanha, que eliminou a Alemanha por 2-1, após prolongamento.

Homem do jogo – Pepe

Não há explicação natural para o que Pepe tem feito. Há quatro dias, jogou 120 minutos contra a Eslovénia e esteve muito bem. Agora, volta a jogar 120 minutos e tem mostrado ser um líder na linha defensiva de Portugal. É um guerreiro e possivelmente o melhor defesa-central da história da Seleção Nacional. Veremos até que ponto não foi o último jogo com a camisola da Seleção Nacional e, quiçá, da carreira de futebolista.

Texto: Raúl Saraiva

Imagem: UEFA