O pai é um herói, mas nem sempre coloca a capa

O pai é um herói, mas nem sempre coloca a capa

Dia do Pai: um dia com a intencionalidade de celebrar os afetos sentidos pela figura paterna. Contudo, será que este dia tem o mesmo valor para todes es sujeites? 

Na mente da maioria das pessoas, esta ocasião encontra-se correlacionada com a felicidade, amor, carinho, o desejo de vocalizar e agradecer por tudo aquilo que éstes nosses “heroínes” fazem por todes nós (Amorim, 2023). Paradoxalmente, o dia do pai acarreta negatividade uma vez que, para muitos, personifica o sentimento de ausência e abandono paternal (Amorim, 2023). A afirmação que foi anteriormente exposta, não pode ser desprovida de veracidade tendo em conta que, a ocorrência de circunstâncias de abandono ou de falecimento são o suficiente para alterar a perspetiva que se tem sobre este dia (Amorim, 2023). 

Atualmente, o ser humano é moldado num clima que ainda tem por base os princípios tradicionais e conservadoristas (Amorim, 2023). A proliferação da ideia da construção de uma família tradicional, composta por mãe, pai e filhes, traduz convicções regressistas e pouco empáticas, isto porque, em casos de abandono, essa ideia enfatiza sentimentos de tristeza, angústia, frustração e desilusão em diversas pessoas (Amorim, 2023). Tendo em conta o exposto, a celebração do dia do pai, por vezes, é caracterizada por um período de certa fragilidade emocional (Amorim, 2023). 

Como se sabe, incontáveis são as razões que levam à ausência de um pai, entre elas: o falecimento, a distância provocada por um divórcio, a monoparentalidade, as famílias homossexuais ou, a insuficiência de proximidade emocional, mesmo quando há presença física (Damiani & Colossi, 2015). Esta ausência, além de ter influência negativa no desenvolvimento psicológico e cognitivo da criança, pode ter também impacto na manifestação de problemas comportamentais (Damiani & Colossi, 2015).

Sabe-se que a ausência paterna, durante a primeira infância, isto é, até aos 5 anos, está relacionada a níveis mais altos de depressão na adolescência e no início da adultícia (Culpin et al., 2022). De facto, os problemas comportamentais que surgem dessa ausência, são evidenciados desde muito cedo, logo na pré-escola, podendo estes permanecer ao longo da vida escolar (Damiani & Colossi, 2015). Caso isso aconteça, algumas consequências negativas são exteriorizadas, como o baixo rendimento académico, o aumento das faltas, o risco crescente da utilização de drogas e ainda, dificuldades na relação com os seus pares (Damiani & Colossi, 2015)

A partir da adolescência, a necessidade que a outrora criança tinha de cuidado e proteção, transforma-se numa necessidade de procura, tanto pela autonomia como pela  afirmação da própria identidade (Damiani & Colossi, 2015). Tendo isto em consideração, a rutura do contacto com o pai, e por consequência, do vínculo emocional, pode ser a origem de possíveis sentimentos de culpa, abandono e rejeição, fazendo com que haja uma tendência para que a formação de novas relações seja pautada pela desconfiança (Damiani & Colossi, 2015). No fundo, pode-se direcionar os sentimentos vivenciados ou reprimidos naquela primeira relação pai-filhe, para a futura relação amorosa, onde a vinculação insegura do passado se irá refletir, por exemplo, na necessidade de garantia e de controlo constante (Culpin et al., 2022; Damiani & Colossi, 2015). Além disto, es filhes do sexo feminino, tendencialmente, experienciam mais sentimentos de tristeza e mágoa. Por sua vez, as crianças do sexo masculino, tendem a expressar mais raiva e revolta (Culpin et al., 2022; Damiani & Colossi, 2015). 

Ademais, os estilos parentais, revelam um papel extremamente importante no desenvolvimento da personalidade e do “self” de cada criança (Delgado, 2020). Esta ideia, justifica-se, pelo facto de muitas das vezes, quando crianças, tomarmos como referência as nossas figuras parentais (Delgado, 2020). Desta forma, es jovens tentam projetar traços de personalidade, ideias, crenças e fundamentalismos inerentes nos seus pais, para si próprios. Tudo isto enfatiza o desejo de, por vezes, querermos ser e agir da mesma forma que eles (Delgado, 2020). Tendo em conta o exposto, poderá ser aplicada a mesma ideia, a indivíduos, cujos pais são ausentes? A ausência paterna pode apresentar diversos impactos negativos na vida de diverses sujeites, contudo, é necessário relativizar o problema ao invés de olharmos para as suas contrariedades, devemos olhar para as múltiplas soluções existentes (Delgado, 2020).

Porém, nem todas as famílias seguem a estrutura familiar tradicional mencionada anteriormente (Bastos, 2022). Segundo Bastos (2022), o conceito de família não deve ser limitado pelos laços de sangue. Ao longo dos anos, as estruturas familiares, por influência de fatores económicos, políticos, sociais, culturais e demográficos, têm sofrido diversas alterações, tanto nas suas dinâmicas, como na sua configuração (Bastos, 2022; Damiani & Colossi, 2015). 

Atualmente, a estrutura e a organização familiar, pode envolver tanto a família dita tradicional, bem como famílias monoparental, homossexual ou recomposta (Moreira, 2013). As famílias monoparentais são constituídas apenas por uma única figura de autoridade (Moreira, 2013). Trata-se de famílias cujo um dos parentes é solteiro, casos em que ê adulte responsável tem a custódia des sues filhes, mas não coabita com outres adultes (Moreira, 2013). As famílias homossexuais, ocorrem quando casais do mesmo sexo adotam ou servem-se do uso de métodos reprodutivos, com vista a compor a sua própria família (Benatti et al., 2021). Neste tipo de famílias é típico a ausência hierárquica devido a inexistências de papéis fixos entre o casal e es sues filhes (Fairthlough, 2008). Outra alternativa da estruturação familiar poderá ser as  famílias recompostas, como é o caso das famílias de acolhimento (Delgado, 2020). Famílias em que as entidades mais velhas exerçam a custódia dos seus netos, fazendo com que se tornem responsáveis pela formação desses jovens, também estão inseridos neste conceito (Ribeiro & Zucolotto, 2015). 

Posto isto, o dia 19 março, poderá ser uma data com vista a celebrar o dia para algum familiar que se considere especial e não somente para a figura de pai (progenitor) (Delgado, 2020). Pai deve ser sinónimo de “porto de abrigo”, portanto, pai é aquele com quem nós escolhemos partilhar todas as nossas preocupações (Delgado, 2020). É necessário desfazermo-nos do foco da figura principal deste dia e substituí-lo pela imagem de outres familiares com quem queiramos festejar a ocasião (Delgado, 2020).

Porém, e como já mencionado anteriormente, ainda que ao longo das últimas décadas se tenham observado alterações significativas nos direitos políticos, privilégios económicos e oportunidades laborais da mulher, continua a prevalecer uma visão tradicional dos papéis de género (Gaunt, 2013). Ou seja, a posição do homem é como chefe da família, cujo papel é sustentá-la economicamente, já a mulher é vista como a cuidadora da casa e des filhes (Gaunt, 2013). 

Apesar de, nos dias de hoje, existirem pais que assumem o papel de cuidador e responsabilidade pelas lidas da casa, Chesley (2011) afirma que, dados do sistema de proteção de menores americano, mostram que uma parte dos pais reportam encarregar-se dessas tarefas pela incapacidade de encontrar emprego ou pelo estado de saúde precário dos mesmos. Contudo, esta identidade social do pai está a avançar para um modelo menos tradicional, sendo, além de um direito, um dever do homem expressar os sentimentos e participar nos cuidados da criança, sem o estigma da afirmação sexual que prevalece em sociedades notoriamente patriarcais (Chesley, 2011). Além disso, tem ainda como dever ser um pai participativo nos cuidados e afetividade des filhes, assim como, na divisão de tarefas com ê sue parceire (Freitas et al., 2007).

Em suma, a figura paterna tem vindo a assumir diferentes formas, visto que nem sempre é representada pelo modelo socialmente imposto. À medida que a sociedade evolui, é possível ver estruturas familiares variadas, onde este papel é incorporado por outro elemento da esfera familiar, devido principalmente, à ausência do pai. Assim, desejamos a todes es pais, mães, avôes, irmães, ties, primes e todes es cuidadories que representam esta figura, um feliz dia do pai. 

Referências bibliográficas

Amorim, M. (17 de março, 2023). Dia do Pai sem pai: E agora? Como ajudar crianças a tornar a data mais leve. Notícias ao minuto. https://www.noticiasaominuto.com/pais/2253108/dia-do-pai-sem-pai-e-agora-duas-psicologas-ajudam

Armstrong, M. (2023). Father’s day vs. Mother’s day. Statistica. https://www.statista.com/chart/30207/fathers-day-spending-vs-mothers-day/ 

Bastos, C. R. (2022). Influência das múltiplas configurações de família em várias dimensões do desenvolvimento das crianças e adolescentes. [Dissertação de Mestrado, Universidade do Porto]. Repositório Aberto da Universidade do Porto. https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/145301/3/591284.1.pdf 

Benatti, A. P., Campeol, A. R., Machado, M. S., & Pereira, C. R. R. (2021). Famílias Monoparentais: Uma Revisão Sistemática da Literatura. Psicologia: Ciência e Profissão, 41(3), 1-14. https://doi.org/10.1590/1982-3703003209634 

Chesley, N. (2011). Stay-at-Home Fathers and Breadwinning Mothers: Gender, Couple Dynamics, and Social Change. Gender & Society, 25(5), 642-664. https://doi.org/10.1177/0891243211417433

Culpin, I., Heuvelman, H., Rai, D., Pearson, R. M., Joinson, C., Heron, J., Evans, J., & Kwong, A.S.F. (2022). Father absence and trajectories of offspring mental health across adolescence and young adulthood: Findings from a UK-birth cohort. Journal of Affective Disorders, 314(1), 150-159. https://doi.org/10.1016/j.jad.2022.07.016

Damiani, C. C., & Colossi, P. M. (2015). A ausência física e afetiva do pai na percepção dos filhos adultos. Pensando familias, 19(2), 86-101. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2015000200008&lng=pt&tlng=pt

Delgado, J. P. F. (2020). O acolhimento familiar de crianças em Portugal- evidências e desafios. POLÊM!CA, 20(1), 23–42. https://doi.org/10.12957/polemica.2020.55975 

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Freitas, W. M. F., Coelho, E. A. C., & Silva, A. T. M. C. (2007). Sentir-se pai: A vivência masculina sob o olhar do gênero. Cadernos de Saúde Pública, 23(1), 137-145. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007000100015 

PORDATA. (2024). Famílias clássicas monoparentais do sexo feminino (%) (2022). Pordata. https://www.pordata.pt/portugal/familias+classicas+monoparentais+do+sexo+feminino+(percentagem)-532

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Imagem: Inês Moura