Navegando pelo Instagram, deparei-me com uma notícia sobre Harvey Weinstein. Tinha sido publicada naquele momento e já contava com um vasto leque de comentários. Não muito encorajadores, devo dizer. Isto porque o conteúdo da notícia era nada mais nada menos do que a informar que Harvey teria sido libertado após pagar uma multa (milionária). Depois de se apresentar à polícia de Nova Iorque na última sexta-feira, dia 25, saiu do posto algemado, mas com um rasgado e vitorioso sorriso na cara. Quem sabe se já não saberia ele o seu destino. Foi conduzido até ao Tribunal Penal de Manhattan, onde ouviu as acusações de abuso sexual contra si e, mais tarde, saiu em liberdade.
Depois de ter sido acusado por mais de 70 mulheres (que originaram o movimento #MeToo) e não ter sido preso, pergunto-me que justiça temos nós hoje em dia. O produtor pagara uma fiança no valor de 1 milhão de dólares, ficando sujeito a vigilância e ao uso de uma pulseira eletrónica. Violações, assédio, chantagens, traumas, tudo isto ficará por pagar.
A multa absurda foi o preço a pagar para ficar longe das grades. Mais uma vez o peso do dinheiro falou mais alto. Para Harvey, que já foi um dos mais influentes produtores de Hollywood, o pagamento de uma coima é o castigo mínimo que lhe pode ser atribuído. Para alguém tão poderoso e bem-sucedido, a sua situação económica não será má, de todo. Talvez tenha sido esse o motivo do seu sorriso, embora tenha aparecido algemado em frente aos jornalistas. Ou talvez tenha sido o gosto da vitória perante tantas mulheres que o tentaram entregar. Mulheres que se expuseram, que deram a cara, que enfrentaram o medo, que falaram perante o mundo. Para quê? Para no fim verem um sorriso estampado na cara de quem lhes provocou tanto sofrimento.
Desde outubro de 2017 que Weinstein foi removido do cargo de co-presidente da Weinstein Company, aquando da divulgação das acusações. Exceto isso, a sua vida continua igual. Pouco tempo antes da Gala dos Globos de Ouro foi visto a passear pelas ruas de Los Angeles. Depois de se saber que este terá sido palco de vários abusos, nada o impediu de se aproximar. É aqui que quero chegar. Não vai ser uma multa que o fará parar, que o fará ganhar respeito pelas mulheres. Que garantias ficam que, após a liquidação da multa, não voltará a cometer crimes semelhantes? Quantas vítimas mais serão necessárias para percebermos que alguém com este perfil precisa de ser julgado e condenado como uma pessoa comum?
Este caso não é único. Há muitos Harveys por aí, nos sítios mais banais que possamos imaginar: professores que abusam de crianças que sofrem em silêncio durante anos, agentes que assediam e violam mulheres que não querem perder o seu trabalho e vivem com o medo do desemprego caso não cedam à chantagem, homens que violam jovens e mulheres aleatórias por diversão ou porque elas estavam “a pedi-las” que ficam com traumas inultrapassáveis.
Parece absurdo, mas o pior de todo este cenário é a maneira como as vítimas são entendidas. São inúmeros os casos de interrogatórios em que perguntam às mulheres que roupa estavam a usar. Quando é que a roupa, a maquilhagem ou a maneira como estava sentada deve interferir num processo de violação? É óbvio. Muitas pessoas entendem que, pelo facto de ter nascido no sexo feminino, deverão usar roupa apropriada (entenda-se como roupa larga, nada de decotes e saias acima do joelho, pouca maquilhagem); a mulher também não deve beber álcool e deve comportar-se como a futura mãe e dona do lar. Caso contrário não poderá reclamar de qualquer crime, já que saiu assim à rua na esperança de engatar alguém.
Chega de atribuir a culpa aos inocentes. Os agressores merecem pagar pelos seus atos. Seria ótimo que o exemplo começasse em casos públicos. Era tão importante para a sociedade que Harvey Weisntein cumprisse pena. Depois disto, o silêncio vai ser cada vez maior. O sentimento de impotência vai continuar a crescer porque realmente nada acontece. A justiça não é para todos. E que justiça pode procurar alguém que vê a voz de 70 mulheres abafada pelo poder do dinheiro dos grandes?
Foram tantas as figuras que deram o seu testemunho na esperança de ajudar outros envolvidos em situações do mesmo caráter. Podiam simplesmente ter escondido o sucedido, mas não o fizeram. Várias pessoas se uniram. A cor preta encheu salas em homenagem na luta contra o assédio sexual, a esperança em que depois de todo o esforço, viesse a recompensa e que nem os magnatas saíssem impunes dos crimes. Seria o incentivo para a denúncia destes crimes e que esta fosse levada a sério. A intenção era boa, mas os profissionais que ficam encarregues de grandes casos como este, continuam a ser marionetas que agem pelo dinheiro. E esta realidade não mudará tão cedo.
Alexandra Fonseca