Quando a Vida se metamorfoseia numa guerra onde somente sofrimento e humilhação se debatem, enquanto o furor da existência gradualmente se esbate, a alma cambaleia num corpo que vive sem poder viver.
Na semana passada, o parlamento português aprovou o texto da nova lei relativa à morte medicamente assistida, resultante dos cinco projetos elaborados por PS, BE, PAN, Os Verdes e Iniciativa Liberal, e aprovados em fevereiro de 2020. Esta aprovação contou com 136 votos a favor, 78 contra e 4 abstenções. Despenaliza-se a Eutanásia.
Caracterizada como uma interferência no curso da vida, um modo sereno de extinguir o sofrimento intenso e uma prática pela qual um doente põe termo à sua vida de forma controlada e assistida, este conceito destaca-se no conhecimento do homem por germinar questionamentos éticos e morais.
Numa época em que a esperança de vida só tende a aumentar, alguns olhos não conseguem ver o que apenas o coração e o corpo de muitos consegue sentir. Questiono-me então, como é ter meses, quiçá anos, de uma existência sem qualidade, dignidade, repleta de dor física e sofrimento psicológico. Será que uma vida numerosa é necessariamente acompanhada de uma qualidade desejável?
(Sem dúvida um assunto individual socialmente alvo de grande controvérsia)
Independentemente de qual seja a nossa posição, é inegável que a despenalização da Eutanásia traduz-se na possibilidade de escolha, uma autodeterminação relativa ao nosso próprio corpo, uma decisão que passa por uma reflexão individual. O conceito de dignidade é inerente a esta prática, e não se trata somente de um direito do cidadão, mas de um fundamento da Constituição, e intrínseco ao homem. Baseando-se a nossa maioria em histórias, em vidas, enquanto uns defendem os cuidados paliativos, para outros, a decisão do parlamento foi uma decisão tardia, mas assertiva.
É para mim lamentável, por conseguinte, e impossível de ignorar, que nos países onde esta prática é ilegal, os profissionais de saúde, que pecam, aos olhos da lei, pelo seu compadecimento, corram o permanente risco de arcar pesadas consequências no âmbito profissional. Mais inconcebível ainda, é permitir que a decisão de deixar de alongar a vida a um doente, quando este se encontre numa fase terminal, seja tomada pela equipa médica, e a insistência em administrar medicação excessiva, seja uma alternativa, quando as consequências derivadas dos efeitos secundários agravam o sofrimento daquele que, em dor, esta última fase da vida se resume.
Questiono-me uma vez mais: E onde fica a valoração, a dignidade, a saúde física e mental? As palavras que apenas são sentidas por quem a dor sente? As ações sofridas por causa de quem apenas a dor viu…
Despenalizar a Eutanásia é despenalizar a Compaixão; Despenalizar a Liberdade.
Em matéria de autodeterminação e individualidade, Portugal abre uma porta àqueles que travam a duradoura batalha pela primazia do direito à escolha individual sobre a coletiva; o direito humano de determinar, livremente, o curso do seu próprio Caminho. Resta saber se Marcelo Rebelo de Sousa, nosso atual Presidente da República, quebrará o “silêncio”. Veta, Promulga ou Remete o texto para o Tribunal Constitucional? Vidas aguardam, a dor sente-se, e o tempo passa.
Salomé Gonçalves