Num mundo cada vez mais cínico e apressado, Elf convida-nos a fazer algo simples e transformador: sermos um pouco mais Buddy.
À primeira vista, Elf pode parecer uma ideia disparatada e sem grande sentido, quase um daqueles filmes natalícios que se vê porque não se tem outra opção, nem parecendo propriamente um bom filme. No entanto, bastam poucos minutos para o filme conquistar qualquer espectador. Ao contrário de muitas produções do género, frequentemente marcadas por um sentimentalismo forçado e por tentativas claríssimas de “vender” o espírito natalício através de mensagens moralistas ou efeitos exagerados, sendo um produto claro do consumismo a que o Natal é associado hoje em dia, Elf, sob a realização de Jon Favreau, tem uma índole muito mais honesta. O filme não impõe uma lição artificial, transmitindo a sua mensagem através de uma sinceridade absoluta, o que explica porque continua a ser um dos filmes de Natal mais acarinhados, mesmo por quem normalmente não aprecia este género de filme.
A nossa história começa com um bebé que, por ser curioso, entra no saco do Pai Natal num orfanato e acaba, acidentalmente, no Polo Norte. Ali, numa “bolha” de felicidade, cresce entre os elfos, é adotado e recebe o nome de Buddy, mas, à medida que os anos passam, torna-se evidente que ele não encaixa propriamente ali: Buddy cresce demasiado, não consegue fazer brinquedos e sente-se deslocado. Mais tarde, quando descobre que é humano, tudo passa a fazer sentido. O seu pai adotivo revela-lhe então a verdade sobre o seu verdadeiro pai, Walter Hobbs, um homem que vive em Nova Iorque e que desconhece completamente a sua existência. Walter é um editor de livros infantis que já não se importa verdadeiramente com as crianças. É um homem cínico, obcecado pelo trabalho e pelo dinheiro, chegando até a cortar páginas de livros para poupar dinheiro, o que simboliza não só a perda de empatia, mas também a instrumentalização da fantasia infantil ao serviço do lucro. Não sabendo nada do mundo real e determinado a encontrar o lugar onde pertence, Buddy atravessa o oceano em busca do pai e entra numa realidade que lhe é totalmente estranha.
A chegada a Nova Iorque representa mais do que uma simples mudança de cenário, já que há aqui um choque. Buddy personifica um otimismo radical, enquanto a cidade, personificada pelo seu pai, Walter, encarna o cinismo pragmático da vida adulta, a perda de vista de tudo aquilo que realmente importa. Este contraste gera situações de comédia memoráveis, mas também funciona como uma crítica social subtil à forma como a idade adulta nos afasta da capacidade de acreditar, de nos maravilharmos, de vermos o mundo com ingenuidade e de o valorizarmos.
O que traz ainda mais prestígio ao filme é a interpretação de Will Ferrell, que consegue evitar o desconforto que este tipo de personagem poderia provocar. Ferrell não interpreta Buddy como alguém que finge ser ingénuo; ele transmite ao público a ideia de que acredita genuinamente que é um elfo, não existindo qualquer ironia, apenas pureza. É essa honestidade emocional quase palpável que impede que a personagem se torne irritante e a transforma numa figura genuinamente adorável. O elenco secundário reforça esta dinâmica: James Caan interpreta o pai colérico e distante com grande eficácia, Mary Steenburgen representa a figura materna calorosa e empática, e Peter Dinklage tem uma breve, mas brilhante, cena que contribui para o crescimento da personagem principal. Em termos visuais, Elf distingue-se por evitar o uso exorbitante de CGI, muito presente nos filmes de hoje em dia, que facilmente tornaria o filme datado. Favreau elege efeitos mais práticos e utiliza a perspetiva forçada, colocando Buddy mais próximo da câmara para o fazer parecer gigante em relação aos elfos.
Esta escolha confere ao filme um aspeto mais clássico e corpóreo. Os figurinos de cores saturadas e o design caloroso do Polo Norte evocam uma nostalgia quase tátil, mostrando como vemos o mundo em criança, aquela cor que se vai perdendo ao longo do tempo, contrastando fortemente com os tons frios, cinzentos e impessoais de Nova Iorque, reforçando visualmente o conflito central da narrativa.
Até elementos aparentemente disparatados, como a dieta de Buddy, composta por doces, guloseimas, bastões de açúcar e xarope, funcionam como metáforas. Enquanto o mundo de Walter é regido por café, stress e produtividade, Buddy alimenta-se de alegria pura. Numa famosa cena, em que Buddy come esparguete com xarope doce, esse gesto simboliza a sua recusa em aceitar as normas rígidas e cinzentas da vida adulta, afirmando a legitimidade de um modo de estar mais leve, emocionalmente honesto e autêntico.
No auge do filme, a mensagem fica implícita. O trenó do Pai Natal não funciona com combustível físico, mas, quando os habitantes de Nova Iorque começam a cantar juntos no Central Park, o trenó começa a voar movido pela crença. O filme afirma que o espírito do Natal não é algo que se vê ou que se compra, mas algo que se constrói coletivamente, através da fé partilhada e da bondade. No final de contas, Elf é um filme que nos faz rir, nos comove e, acima de tudo, nos convida a baixar as defesas do cinismo quotidiano, valorizando o que é verdadeiramente importante e permanecendo crianças no interior.
Bárbara Botelho
