Uma réstia de esperança 

Uma réstia de esperança 

Num scroll abúlico e hipnotizado pelo feed do Instagram, detenho a minha atenção numa publicação de uma página de lifestyle, moda e cultura. Nela salta-me à vista o  termo “Biblioteca Humana” e a sua ambiguidade. A já referida publicação, refere que, na Dinamarca, existe um espaço onde é possível escolher uma pessoa para conversar ao invés de escolher um livro. A minhacuriosidade leva então a melhor e decido investigar o conceito. Para minha surpresa, este estilo de café já tem mais de 25 anos de existência e teve na Dinamarca o seuberço. Sob o lema “Unjudge Someone”, o movimento nasceu a partir da premissa de que todos nós julgamos pela aparência, principalmente, quem não conhecemos. Foi necessário elaborar, então, uma estratégia que permitisse ouvir, falar e questionar quem, em condições normais, nunca teríamos oportunidade de conversar.

Rapidamente este fenómeno se espalhou pelo mundo inteiro sempre com uma metáfora subjacente – “antes de livros, leia pessoas”. A ideia é que, nesses cafés, possamos “requisitar” pessoas por 30 minutos para que partilhem as suas histórias de vida.

Num mundo onde a comunicação é, simultaneamente, mais próxima e mais distante, esta ideia revela-se fundamental para incentivar a comunicação interpessoal e o conhecimento de outras vivências e realidades. Antoine de Saint-Exupéry, autor de um dos grandes clássicos da literatura mundial, O Principezinho, dizia-nos que “aqueles que passam por nós não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.”. É precisamente isso que visa esta iniciativa. Aproximar relações, estreitar laços, e, numa época em que conhecer o outro se revela quase uma ousadia, reforçar a nossa empatia pelo outro.

Somos, afinal, a soma das nossas conexões. Não somos ilhas isoladas. Uma conversa de 30 minutos com uma “pessoa-livro” sobre, por exemplo, o desafio da migração, a complexidade de uma doença mental ou um drama familiar, deixa sempre algo em nós. E nós, com o nosso olhar e as nossas perguntas, também deixamos uma marca na pessoa que se abriu para ser lida.

No frenético quotidano da modernidade líquida, onde as relações são descartáveis e frequentemente reduzidas a emojis e a ecrãs, parece que escolhemos o caminho mais fácil: a aparente segurança do isolamento em detrimento do risco da conexão profunda. Leandro Karnal, filósofo e historiador brasileiro, alerta para o facto de que “trocamos a dor do desgaste pela vaidade da novidade, trocando sapatos, telemóveis e, muitas vezes, as pessoas”. As Bibliotecas Humanas, pelo contrário, sãoum apelo ao cuidado, à responsabilidade afetiva e ao interesse pelo outro.

É urgente que permaneçamos humanos!

Tiago Delgado