O que é Colo-Colo?
Colo-Colo é o clube mais famoso e bem-sucedido do Chile, fundado em 19 de abril de 1925, em Santiago, no bairro de Macul, que a partir dos anos 50 foi o berço de ativistas de esquerda e sindicatos. Fruto da fusão de dois pequenos clubes: Colo-Colo (sim, já existia o nome) e Magallanes Juniors, com o objetivo de criar uma equipa forte e competitivo na capital chilena.
Colo-Colo era um chefe Mapuche lendário que lutou contra os colonizadores espanhóis no século XVI. Os mapuches são um grande grupo autóctone com pouco menos de 2 milhões de pessoas no Chile. O clube adotou o nome para refletir uma identidade chilena autêntica e a ideia de ser invencível e resistente, tanto cultural quanto a nível desportivo, origem essa que moldou desde sempre as atitudes da claque do gigante chileno, a Garra Blanca.
Colo-Colo é o clube com mais títulos do Campeonato Chileno, com 34 campeonatos nacionais, e é o único clube chileno vencedor da Copa Libertadores da América, feito histórico em 1991 sob comando de Mirko Jozic, técnico jugoslavo, sendo também o clube com mais adeptos, tornando se assim num verdadeiro gigante do futebol local e continental.
Sobreviver a uma ditadura.
Em setembro de 1973, Augusto Pinochet, com a ajuda do exército e o apoio dos EUA efetua um golpe de estado, onde, o até então governo democrático socialista cai nas mãos da ditadura. É portanto esta uma vertente constante da política externa dos EUA que, durante o período de Guerra Fria, ajudou a organizar vários golpes de estados no continente Sul Americano, com o objetivo de parar o avanço do comunismo.
A ditadura chilena foi marcada como tantas outras por uma figura omnipotente, pela abolição dos partidos de oposição e dos medias livres, pela censura e assassinatos políticos. Com mais de 3000 mortos ou desaparecidos e mais de 4000 torturados, a ditadura de Pinochet continuava a ser vista como um exemplo de economia neoliberal por parte dos EUA, economia essa gerida por um grupo chamado “Chicago Boys”, grupo de economistas chilenos formados na América e que tem como objetivo difundir o capitalismo.
A partir de 1980 começam-se a ver as primeiras dúvidas do êxito da política económica chilena, com a população cada vez mais pobre e uma dívida externa passando de 50% a 120% do PIB, o que fez com que durante esse mesmo período a taxa de desemprego passou de 5% em 1973 a 31% em 1983.
Em 1987, 14 anos depois, o regime volta a legalizar a criação de partidos políticos. Passado apenas um ano do regresso desses mesmos partidos, um referendo mudou a história do país, “a favor ou contra a permanência de Pinochet no poder por mais 10 anos”, e a resposta foi clara, o “não” ganhou com 56% dos votos sendo assim o início do fim do regime Pinochet.
Garra Blanca, representação de um povo.
A “inchada” Garra Blanca nasceu em 1986, somente 4 anos antes da queda do regime. O clube de Colo-Colo sempre foi uma claraboia no meio da escuridão na qual viviam os chilenos e principalmente os habitantes de Santiago, na altura. Com uma fundação claramente popular , a Garra Blanca, assim como muitas claques sul-americanas, usa da violência para se fazer ouvir, principalmente contra claques rivais tal como “los de abajo”, claque do clube Universidad del Chile. Infelizmente já houve mortos e feridos em confrontos entre a Garra Blanca e claques rivais ou até mesmo contra as forças de autoridade.
Futebol como força de expressão política.
Assumido desde a sua criação, a Garra Blanca é claramente política e não o esconde, assumindo as suas ideias e causas, onde mesmo antes da queda do regime ditatorial já o clube de Colo-Colo usava tarjas a pedir a destituição do ditador. Todos os anos, no dia 8 de setembro os adeptos do clube da capital chilena juntam-se na rua para celebrar a memória de todas as vítimas e desaparecidos do regime de Pinochet, o que fez com que em 2025 o lema da marcha tenha sido “Ni perdon, ni olvido”, ou seja, “nem perdão, nem esquecimento”.
O antifascismo é uma das principiais ideologias da Garra Blanca, sempre enraizado na luta contra o regime de Pinochet, não permitindo que o “camarada” Salvador Allende, alcunha esta carinhosamente atribuída ao antigo presidente, caía no esquecimento. Uma outra figura política muito apreciada da Garra Blanca e de muitos clubes de América do Sul é Che Guevara, que aparece muitas vezes em bandeiras nas bancadas, assim como a famosa frase “nunca más” igualmente usada em Portugal depois do regime de Salazar , o que significa “nunca mais” em português. Sendo uma claque abertamente de esquerda no eixo político, os adeptos do Colo-Colo demonstram várias vezes a sua oposição ao liberalismo e ao capitalismo, defendendo a classe operaria, o sindicalismo e criticando os EUA que eles consideram como o exemplo a não seguir.
Em 2011, numa greve nacional estudantil afim de protestar contra o sistema educativo chileno, a Garra Blanca juntou-se aos estudantes nas ruas, o que nos remete á história repetida em outubro de 2019, numa das maiores manifestações que o Chile já viu. Numa tentativa de conter os cidadãos, o governo mandou o exército para a rua, o que resultou em mais de 12 000 feridos e 25 000 detidos, acontecimento este que exigiu a necessidade do estado de urgência declarado. Em resultado, a Garra Blanca estava na rua uma vez mais, a apoiar o povo chileno, a exigir a queda do governo e da economia e a sabotar o que eles definiram como os “símbolos do liberalismo”.
Sebastián Piñera, presidente do Chile de 2018 a 2022 foi extremamente criticado, não só até ao fim do seu mandato mas também no dia do seu falecimento após um acidente de helicóptero, com a frase “muere el asesino, Colo-Colo nunca fue tu club”, tradução esta que significa “morre o assasino, Colo-Colo nunca foi o teu clube”. Este símbolo de rebeldia foi imediatamente publicado em todas as redes sociais do grupo Garra Blanca devido ao facto de Sebastián Piñera ter sido sócio maioritário do clube no início dos anos 2000.
Hoje em dia a Garra Blanca continua a fazer boicotes, bloqueios de certas festividades e jogos do Colo-Colo mas também a não deixar que as vítimas da violência policial sejam esquecidas. Um dos casos mais recentes foi a crítica ao plano de segurança criado pelo ministério do interior para garantir a segurança nos estádios, porém, e infelizmente, esse plano tem demasiadas falhas já que em abril de 2025 dois jovens de 15 e 17 anos faleceram após uma multidão de pessoas tentarem fugir, assustadas, por um carro da polícia.
A defesa das mulheres e a luta contra o feminicídio é algo extremamente importante para essa “inchada”, o que explica as milhares de mulheres presentes nas bancadas a cada jogo do gigante chileno, clube esse que nunca esqueceu as suas origens mapuche e que faz questão de o lembrar com bandeiras, cânticos e tifos, que é a efígie da identidade autóctone do povo do Chile.
Eleições chilenas 2025.
As eleições foram marcadas pela bipolaridade entre a esquerda, representada pela comunista moderada Jeannette Jara, e a extrema direita, representada por José Antonio Kast, que arrecadou 58% dos votos. Prometendo ser o presidente de todos os chilenos, combater o crime organizado e expulsar mais de 300 000 imigrantes sem documentos, este vende o sonho de construir um muro, cavar uma trincheira e mobilizar 3 000 militares na fronteira com a Bolivia. Ao contrário da Garra Blanca, José Kast defende o legado de Pinochet, afirmando contudo ser democrata. Será esta uma nova rivalidade entre a Garra Blanca, o clube de Colo Colo e o governo chileno?
Marco Leite