Entre Bruxelas e Belém: o debate que expôs duas esquerdas diferentes.
No passado dia 20 de dezembro, Catarina Martins e Jorge Pinto protagonizaram o último debate à esquerda desta corrida presidencial, num frente-a-frente que ficou marcado por um tom mais contido do que o habitual, mas nem por isso isento de divergências claras. Em comum, os dois candidatos partilharam diagnósticos sobre o estado do país e da Europa, na forma e nas soluções, porém, as diferenças tornaram-se evidentes ao longo do debate.
A Europa acabou por ser o eixo central do confronto. Jorge Pinto procurou assumir uma posição de maior abertura europeísta, defendendo que Portugal deve estar “no centro das decisões” e usar a União Europeia como espaço de afirmação política, económica e social. Insistiu na necessidade de uma Europa mais solidária, com capacidade de resposta comum em áreas como a defesa, a transição energética e a política industrial, sublinhando que o isolamento nacional seria um erro estratégico num contexto internacional instável. Catarina Martins concordou quanto à importância do projeto europeu, mas adotou um tom mais crítico, apontando falhas estruturais da União Europeia, em especial nas regras orçamentais, na política económica e na resposta às desigualdades. A candidata acusou Bruxelas de impor constrangimentos que limitam a soberania democrática dos Estados e defendeu uma revisão profunda dos tratados, alertando para o risco de a Europa continuar a “proteger mercados em vez de proteger pessoas”.
Na política económica, ambos convergiram na crítica ao modelo liberal dominante, mas divergiram na abordagem. Jorge Pinto enfatizou a necessidade de investimento público estratégico, inovação e reindustrialização verde, defendendo uma economia que valorize o trabalho e a ciência. Catarina Martins foi mais direta na crítica às privatizações e à financeirização da economia, defendendo um reforço claro do Estado social, da regulação e da redistribuição da riqueza como prioridades presidenciais.
O papel do Presidente da República foi outro ponto de debate. Catarina Martins defendeu um Presidente interventivo, com coragem para travar políticas que aprofundem desigualdades e para usar todos os instrumentos constitucionais ao serviço da justiça social. Jorge Pinto respondeu sublinhando a importância de um Presidente mobilizador, capaz de envolver a cidadania e de usar a magistratura de influência para construir consensos, sem transformar Belém num centro de bloqueio político permanente.
Apesar das diferenças, o debate ficou marcado por um tom respeitoso, com ambos a evitarem ataques pessoais e a reconhecerem pontos de contacto. Catarina Martins destacou a importância de uma esquerda plural e combativa, enquanto Jorge Pinto sublinhou que o desafio está em transformar essa pluralidade numa proposta mobilizadora para o conjunto do país.
Na reta final, Jorge Pinto acabou por beneficiar de uma prestação mais segura e estruturada, sobretudo no dossiê europeu, onde conseguiu impor ritmo e clareza, enquanto Catarina Martins optou por uma abordagem mais combativa e ideológica. O debate fechou assim o ciclo de confrontos à esquerda, deixando claro que, apesar das afinidades, existem leituras distintas sobre a Europa, o Estado e o papel da Presidência num momento decisivo para o futuro político do país.
David Silveira