Do realizador Alexander Payne, The Holdovers acompanha um rabugento professor, Paul Hunham (Paul Giamatti) de um colégio interno de elite da Nova Inglaterra, forçado a permanecer no campus durante umas férias de Natal solitárias para vigiar um pequeno grupo de alunos que não têm para onde ir. Eventualmente, cria um vínculo improvável com um deles, um jovem inteligente, mas problemático, Angus (Dominic Sessa) e com a cozinheira da escola, marcada pela perda do filho na Guerra do Vietname, Mary (Da’Vine Joy Randolph). O que começa como um castigo transforma-se num inesperado refúgio para os três, onde o sarcasmo dá lugar à empatia e a rigidez social vai se dissolvendo para dar lugar a uma conexão e compreensão entre eles.
Payne, conhecido por satirizar as falhas da classe média americana, surpreende ao abrandar o tom cínico da narrativa, oferecendo algo mais terno e caseiro: um filme atento às pausas, ao silêncio e às imperfeições do quotidiano. É na sua vulnerabilidade emocional que The Holdovers atinge o coração. Ao retratar personagens carregadas de culpas, frustrações e medos, o filme recorda-nos algo simples, mas hoje quase revolucionário: todos os que encontramos estão a travar as suas próprias batalhas, e raramente sabemos quais são. Funciona como uma ode à compaixão, mostrando que todos merecemos amor, seja ele romântico, familiar ou apenas o conforto de ser compreendido. Esse desejo de pertença não envelhece.
Paul Giamatti oferece uma das melhores interpretações da sua carreira, equilibrando acidez e fragilidade. Dominic Sessa, recém-chegado ao ecrã, entrega uma performance surpreendentemente madura. Já Da’Vine Joy Randolph, com uma presença arrebatadora, transforma a dor em dignidade, numa interpretação impossível de ignorar, que lhe deu o Óscar e o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante em 2024.
A personagem de Giamatti reflete frequentemente sobre noções antiquadas de cavalheirismo, honra e verdade, lamentando o estado de um mundo “em chamas” que já não reconhece nem compreende. À medida que começa a comunicar verdadeiramente com o jovem Angus, defende também a ideia de que é necessário olhar para o passado para compreender o presente. Os dois acabam por desenvolver uma relação importante ao longo do filme, reconhecendo tendências um no outro, pois ambos carregam o que lhes atormenta e transformam-no em mau comportamento, diferente de Mary, que exterioriza suas dores e se encaminha para um processo de cura. O filme reúne três pessoas marcadas por tragédias diferentes, de escalas diferentes, que acabam por formar uma união que rompe a solidão intensa em que vivem os dias de Natal e Ano Novo, que tanto lhes lembra tudo o que não têm. Ao darem-se a conhecer, os exteriores duros vão amolecendo e mudam as suas perspectivas.
Payne recusa a fácil manipulação do público, evitando soluções artificiais e sentimentalismo excessivo, mesmo quando trabalha imagens naturalmente propícias à comoção, como a neve, o ambiente natalício, o isolamento ou os gestos inesperados de afeto. Há crescimento mas também há um certo “insatisfatório” inevitável, aquele que acompanha a vida real. O clímax, embora marcante, deixa espaço para a incerteza, o que impede uma total satisfação e garante à jornada um tom agridoce. É precisamente aí que reside a maturidade e a honestidade do filme: mesmo após aprendizagens ou decisões marcantes, nunca há garantias absolutas sobre o que vem a seguir. A vida continua e raramente oferece encerramentos absolutos. Ainda assim, existe espaço para a esperança, um “até logo” em vez de um adeus definitivo. Cada personagem segue o seu caminho com um novo olhar sobre o mundo. O que vem depois não é uma promessa de felizes para sempre, mas a continuação da vida, pronta para novos momentos.
The Holdovers comporta-se como um drama filmado em 1973, mas que toca as inquietações de 2023 com precisão comovente. Payne traz-nos uma obra totalmente fora do nosso tempo, remontando ao tipo de filme que se produzia na altura e que seriam populares numa época que já não é a nossa, porque agora um filme destes, um abraço caloroso que aquece o coração nos dias mais frios, perde-se numa era dominada por blockbusters estrondosos e histórias padronizadas. Payne relembra-nos assim o valor do cinema: filmes pequenos, com sentimentos imensos. The Holdovers não tenta reinventar nada, limita-se a recuperar o essencial, tornando-se num exemplo improvável de um futuro clássico de Natal.
Leonor Ferraz
